NÃO SEI EM QUE OCEANO NAVEGAS
Comprei, hoje, um búzio numa tenda de cortinas estampadas e transparentes, finas, que esvoaçavam ao sabor do vento manso numa tarde a lembrar pedaços de trópicos. Pelo colorido, pela maciez do Sol que aquecia, alegrava e iluminava. O búzio era lindo, encontrei-o só, olhando para mim, no meio de flores de lótus, de incensos, de pulseiras, colares e árvores da vida. Foi amor à primeira vista. Tiro e queda. Encanto e desejo, ali, rodeada de odores místicos e melodias bamboleantes que enchiam o espaço. Olhei-o fixamente e sorri para mim própria. Estendi a mão, toquei-lhe suavemente com um dedo que deixei deslizar pelo todo do búzio vindo não sei de que Oceano para se render no côncavo da palma da minha mão, amparado com ternura. Deslumbrada pela descoberta, na tenda de cheiros, de cores e de músicas exóticas, levei-o ao meu ouvido e o seu toque frio fez-me estremecer naquela tarde de Sol macio. E, aí, escutei a imensidão do mar que havia dentro dele. Escutei melhor e pareceu-me ouvir, lá longe, distante, um gemido, talvez saudade pelas águas que, um dia, deixou de onda em onda, de maré em maré, de corrente em corrente, afastando-se de casa que recordava na imensidão do som escondido no seu interior a lembrar-lhe o que ele não queria esquecer. Havia nele um pouco de mim: não sei em que Oceano navegas não me interessa, mas não te esqueço, embora não te queira lembrar.
A minha alma tem o peso da luz. Tem o peso da música. Tem o peso da palavra nunca dita, prestes quem sabe a ser dita. Tem o peso de uma lembrança. Tem o peso de uma saudade. Tem o peso de um olhar. Pesa como pesa uma ausência. E a lágrima que não se chorou. Tem o imaterial peso da solidão
(Clarice Lispector)
1 Comentários:
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