Brumas de Sintra

Ponto de encontro entre a fantasia e a realidade. Alinhar de pensamentos e evocação de factos que povoam a imaginação ou a memória. Divagações nos momentos calmos e silenciosos que ajudam à concentração, no balanço dos dias que se partilham através da janela que, entretanto, se abriu para a lonjura das grandes distâncias. Sem fronteiras, nem limites

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O meu nome é Maria Elvira Bento. Gosto de olhar para o meu computador e reconhecer nele um excelente ouvinte. Simultaneamente, fidelíssimo, capaz de guardar o meu espólio e transportá-lo, seja para onde for, sempre que solicitado. http://brumasdesintra.blogspot.com e brumasdesintra.wordpress.com

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

AS MINHAS VIAGENS COM GAGO COUTINHO


Gago Coutinho nasceu em Lisboa a 17 de Fevereiro de 1869 e morreu a 18 de Fevereiro de 1959 (com 90 anos). A sua vida foi exemplar e deixou a Portugal um espólio valiosíssimo que ultrapassa a memória colectiva do feito que foi a travessia aérea do Atlântico Sul, com Sacadura Cabral, no hidroavião Lusitânia. O País, passados 50 anos após a sua morte, ainda não foi capaz de o honrar como ele merece e de tornar pública a sua obra brilhante que, a nível nacional e internacional, permanece sem o brilho que lhe é devido. Já vai sendo tempo de Portugal deixar de maltratar ou esquecer os seus heróis.


Eu conheci Gago Coutinho e sempre tive muito orgulho nisso. Na altura, vivia em Almada e andava no Ginásio Clube Português e, antes de entrar no escritório de advogados onde trabalhava fazia uma maratona entre a Praça do Comércio e o eléctrico que geralmente apanhava até à Rua Duques de Bragança (a subida não era -e continua a não ser- apetecível). E foi aí, numa dessas viagens que encontrei, pela primeira vez, Gago Coutinho. Já passava das nove horas (nesse dia não tinha ginástica) e entrei com os outros passageiros no eléctrico que, na altura, saía da rua de S.Francisco (será este o nome?) e terminava na Estrela. Passava pelo Camões, Assembleia, era um percurso agradável. Voltando à viagem que viria a ser a viagem do meu deslumbramento: os passageiros entraram, sentaram-se enquanto o guarda-freio aguardava. Neste espaço de tempo um passageiro percorreu o corredor, abriu a porta de vidro que o separava do condutor e dirigiu-se-lhe a perguntar qualquer coisa.


Quando regressou e ficou virado para mim que já estava sentada vi que aquele senhor de baixa estatura, magro, de sobretudo escuro e uma boina negra na cabeça, era Gago Coutinho E, glória de anjos, sentou-se a meu lado, depois de ter dito bom dia, inclinando a cabeça num cumprimento respeitoso. Achei uma maravilha. A saudação soou-me a melodia e eu, pronunciei um bom dia tão tímido que receio que tão prestigiante companheiro não ouviu a minha voz. Ao meu lado ia Gago Coutinho! Que sensação.


As viagens eram breves (encontrei-o três vezes) limitavam-se apenas à subida íngreme da calçada. Ele descia frente a um prédio situado à esquerda que ficava quase colado a uma Associação muito conhecida na época (não recordo agora o designação correcta) mas sei que estava ligada aos trabalhadores. Fui almoçar lá duas vezes, era muito barato.


Gago Coutinho desceu aí , vi-o atravessar a rua e entrar no prédio em frente. Eu continuava nas nuvens. Mal podia esperar para ir saber coisas sobre Gago Coutinho e comecei a alimentar a esperança de um dia, talvez, falar mais com ele (não aconteceu). Nunca mais tive a sorte de ficar a seu lado mas nas duas outras vezes que o encontrei consegui analisá-lo melhor. Era um senhor idoso, transmitia fragilidade e a sua expressão era fechada. Ausente. As mãos eram magras, nervosas. Nunca o vi sorrir e ainda hoje lamento não ter tido a iniciativa de chegar junto dele e, ao menos, dizer: obrigada. Admiro-o muito pelo que fez.
*

É preciso subir a montanha como velho para chegar lá acima como jovem

(Provérbio chinês)

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