AS MINHAS VIAGENS COM GAGO COUTINHO
Eu conheci Gago Coutinho e sempre tive muito orgulho nisso. Na altura, vivia em Almada e andava no Ginásio Clube Português e, antes de entrar no escritório de advogados onde trabalhava fazia uma maratona entre a Praça do Comércio e o eléctrico que geralmente apanhava até à Rua Duques de Bragança (a subida não era -e continua a não ser- apetecível). E foi aí, numa dessas viagens que encontrei, pela primeira vez, Gago Coutinho. Já passava das nove horas (nesse dia não tinha ginástica) e entrei com os outros passageiros no eléctrico que, na altura, saía da rua de S.Francisco (será este o nome?) e terminava na Estrela. Passava pelo Camões, Assembleia, era um percurso agradável. Voltando à viagem que viria a ser a viagem do meu deslumbramento: os passageiros entraram, sentaram-se enquanto o guarda-freio aguardava. Neste espaço de tempo um passageiro percorreu o corredor, abriu a porta de vidro que o separava do condutor e dirigiu-se-lhe a perguntar qualquer coisa.
Quando regressou e ficou virado para mim que já estava sentada vi que aquele senhor de baixa estatura, magro, de sobretudo escuro e uma boina negra na cabeça, era Gago Coutinho E, glória de anjos, sentou-se a meu lado, depois de ter dito bom dia, inclinando a cabeça num cumprimento respeitoso. Achei uma maravilha. A saudação soou-me a melodia e eu, pronunciei um bom dia tão tímido que receio que tão prestigiante companheiro não ouviu a minha voz. Ao meu lado ia Gago Coutinho! Que sensação.
As viagens eram breves (encontrei-o três vezes) limitavam-se apenas à subida íngreme da calçada. Ele descia frente a um prédio situado à esquerda que ficava quase colado a uma Associação muito conhecida na época (não recordo agora o designação correcta) mas sei que estava ligada aos trabalhadores. Fui almoçar lá duas vezes, era muito barato.
Gago Coutinho desceu aí , vi-o atravessar a rua e entrar no prédio em frente. Eu continuava nas nuvens. Mal podia esperar para ir saber coisas sobre Gago Coutinho e comecei a alimentar a esperança de um dia, talvez, falar mais com ele (não aconteceu). Nunca mais tive a sorte de ficar a seu lado mas nas duas outras vezes que o encontrei consegui analisá-lo melhor. Era um senhor idoso, transmitia fragilidade e a sua expressão era fechada. Ausente. As mãos eram magras, nervosas. Nunca o vi sorrir e ainda hoje lamento não ter tido a iniciativa de chegar junto dele e, ao menos, dizer: obrigada. Admiro-o muito pelo que fez.
É preciso subir a montanha como velho para chegar lá acima como jovem
(Provérbio chinês)
0 Comentários:
Enviar um comentário
Subscrever Enviar feedback [Atom]
<< Página inicial