Brumas de Sintra

Ponto de encontro entre a fantasia e a realidade. Alinhar de pensamentos e evocação de factos que povoam a imaginação ou a memória. Divagações nos momentos calmos e silenciosos que ajudam à concentração, no balanço dos dias que se partilham através da janela que, entretanto, se abriu para a lonjura das grandes distâncias. Sem fronteiras, nem limites

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O meu nome é Maria Elvira Bento. Gosto de olhar para o meu computador e reconhecer nele um excelente ouvinte. Simultaneamente, fidelíssimo, capaz de guardar o meu espólio e transportá-lo, seja para onde for, sempre que solicitado. http://brumasdesintra.blogspot.com e brumasdesintra.wordpress.com

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

As Esquecidas da Força Aérea

A primeira vez que vi enfermeiras pára-quedistas (duas) foi na verdadeira babilónia que se registava no aeroporto da Portela, em Lisboa, em 1963, quando embarquei para Bissau (Guiné). Envergando a farda caqui, se a memória não me prega partida, o que recordo nitidamente é que tinham ao ombro uma carteira tipo pasta, julgo que preta e uns sapatos de salto baixo, também pretos.

Lembro-lhes a postura vigorosa, decidida e elegante. Na cabeça, uma boina verde com o emblema da Força Aérea e, por vezes, um sorriso gracioso que sabia bem ver já que o ambiente era, na altura, de crispação. Penso que teriam seguido para Angola num voo militar, a partir de Figo Maduro, já que a bordo do avião da TAP não as vi.

Pelo ritmo da minha profissão viria a encontrá-las, mais tarde, em Angola, por diversas vezes e a ultima vez que as vi, já nos anos 80, foi em Tancos (Arripiado), numa reportagem que fiz com o saudoso mestre da fotografia, Carlos Gil, e, no dia seguinte, na redacção da revista Mais, em Lisboa, onde as consegui juntar numa foto única e histórica.

Olhei aquelas nove mulheres e agradeci-lhes em silêncio. Eram um exemplo de valor e dignidade que eu tinha o privilégio de fixar. Tocou-me esse momento. Havia nos seus olhos, pregados na câmara do Gil, um misto de orgulho e tristeza. Valorosas nas suas fardas azuis, reuniam-se na redacção de uma revista, anos depois de terem deixado os cenários de guerra.

Ivone Reis-capitão (1961), Eugénia de Sousa- capitão (1962), Manuela França- capitão (1962), Céu Esteves- capitão(1962), Mariana Gomes- capitão (1964), Rosa Mendes-capitão (1964), Francis Matias- capitão(1973), Natália Pinheiro- tenente (1973) e Lurdes Lobão, primeiro sargento (1974), representavam páginas vibrantes, gloriosas, de sacrifícios levados ao extremo nas linhas da frente na guerra do Ultramar.

Foram os verdadeiros anjos que caíam do céu (eram assim conhecidas), já que muitas vezes a inacessibilidade do terreno não permitia outro tipo de auxílio. Sózinhas, descendo pelos ares com a mala da Cruz Vermelha, caíam mesmo em cima dos confrontos.

Correram os maiores perigos, salvaram vidas e vidas, escutaram milhares de últimas palavras dos que já não regressariam. Foram pioneiras. Foram exemplares. Foram umas heroínas. Viveram horrores, glorificando sempre a farda que envergavam mas, em minha opinião, não tiveram, em Portugal, o reconhecimento que mereciam. Não eram convidadas para estarem presentes no dia da Unidade, nas cerimónias oficiais…

Na altura, lembro-me que lhes disse que elas pareciam ter sido esquecidas pela Força Aérea, argumentaram que não

-Não. Não somos é já necessárias a bordo das aeronaves. Terminaram as situações de emergência

Tudo começou em 1961, 6 de Janeiro, quando seis enfermeiras voluntárias, receberam o brevet e a boina verde, culminando o curso dos Páras (bem conhecido pela sua extrema dureza). Graduadas militares foram enviadas para África, com a missão de prestarem assistência de enfermagem a todos os ramos das Forças Armadas.

Foram anos de guerra, algumas colegas mortas (na pista, uma foi degolada pelas pás de um hélio), tantos horrores que só o orgulho das missões lhes suavizava agora as recordações. Encontrei-as na Guiné, em Angola, várias vezes, sabia dos seus feitos e testemunhava a admiração e o carinho que todos tinham por este corpo feminino nas Forças Armadas.

Houve operações tão marcantes, evacuações tão dramáticas e tão sublimes em que estiveram envolvidas que escutar os relatos era como se estivéssemos a ver um filme empolgante. Elas foram mesmo gloriosas.

Em Lisboa, fui ao Hospital da Força Aérea onde os capitães Manuela França, Mariana Gomes e Francis Matias desempenhavam a suas tarefas diárias. Fui às enfermarias com Lurdes Lobão, primeiro-sargento. Encontrámo-nos todas no lançamento de pára-quedas, que faziam de seis em seis meses.

Ainda hoje as recordo com respeito, orgulho e gratidão e lembro a extrema simpatia de Ivone Reis (capitão), a mais antiga, que sempre foi um excelente elo de ligação com o seu grupo, que nunca perdeu nem a coragem nem a convicção perante desafios medonhos.

Embora tentasse, nunca consegui que nenhuma das nove enfermeiras pára-quedistas deixasse transparecer existir por parte da Força Aérea qualquer tipo de esquecimento para com o seu trabalho na guerra em África.


Mas existiu!

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