No Coração do Moxico
Em 1964, o Luso (hoje Luena), no coração do Moxico, era de uma incomparável quietude, contrastando com o bulício bélico que envolvia os habitantes da zona rodeada por arame farpado. Tanto em terra como no ar e nas águas, os espaços eram constantemente invadidos pelas tropas aí sediadas, pelos barcos dos fuzileiros, por toda a espécie de aviões que cortavam os ares, ruidosamente, com notoriedade para os hélios e os “barrigas de jimguba”.
Apesar de todo este frenesim a vida desenrolava-se numa rotina macia conquistada pela habituação aos desassossegos e pânicos que, assiduamente, abalavam os arredores do Luso e que, obrigatoriamente, se reflectiam na capital. Mas, por entre o agora estrondo e depois silêncio; agora sirenes, depois música, por exemplo -podia escutar-se Mozart debaixo do ruído dos aviões que cortavam o céu lazúli sem que isso se convertesse em escândalo-.
Apesar de todo este frenesim a vida desenrolava-se numa rotina macia conquistada pela habituação aos desassossegos e pânicos que, assiduamente, abalavam os arredores do Luso e que, obrigatoriamente, se reflectiam na capital. Mas, por entre o agora estrondo e depois silêncio; agora sirenes, depois música, por exemplo -podia escutar-se Mozart debaixo do ruído dos aviões que cortavam o céu lazúli sem que isso se convertesse em escândalo-.
Havia uma subtil evasão dos sentidos. Podia dialogar-se com o silêncio, contemplar o voo dos pássaros. Cada um aprendeu a fazer dos segundos das suas vidas um mar de bonanças, geridas com alguma coragem e um pouco, diria mesmo uma forte tónica de descontracção, a raiar a insensatez. Mas, havia que sobreviver. E as armas de defesa individual encontradas permitiam profundos contrastes.
Como é fácil de deduzir, nada era calmo no Luso, tudo era vibrante. As berliers corriam, os jipes voavam, as tropas não paravam mas a vida continuava ou melhor, sabia ir recuperar o seu ritmo normal depois das frequentes ameaças de violentas tempestades. Viver no Luso era de loucos e de privilegiados. Não era uma localidade de espectacular beleza arquitectónica, mas era arrumada, bem estruturada, luxuriante, aromática, e o ar era fresco, leve, transparente. Envolvia num abraço macio.
Quando se descia a rua que levava ao jardim do largo, frente ao Radio Clube do Moxico (A Voz Amiga do Leste de Angola), tinha-se a sensação de flutuar noutra qualquer dimensão. Havia uma brisa especial, diferente das outras e, se nos deixássemos levar pela fantasia, ganhávamos asas e as nuvens eram nossas.
Quando Catarina conheceu o Luso já estava, sem se aperceber da dimensão, apaixonada por África. Ah! Sim, África conquistou-a desde o primeiro momento em que, anos atrás, tinha descido do avião e pisado a pista de Bissau (Guiné). Foi um espanto e uma descoberta, um encanto e um feitiço. Os cheiros inolvidáveis, o ritmo inebriante, a mistura nem sempre pacífica da humidade com o calor, o conhecer das suas gentes, fizeram brilhar o esplendor tropical.
Como é fácil de deduzir, nada era calmo no Luso, tudo era vibrante. As berliers corriam, os jipes voavam, as tropas não paravam mas a vida continuava ou melhor, sabia ir recuperar o seu ritmo normal depois das frequentes ameaças de violentas tempestades. Viver no Luso era de loucos e de privilegiados. Não era uma localidade de espectacular beleza arquitectónica, mas era arrumada, bem estruturada, luxuriante, aromática, e o ar era fresco, leve, transparente. Envolvia num abraço macio.
Quando se descia a rua que levava ao jardim do largo, frente ao Radio Clube do Moxico (A Voz Amiga do Leste de Angola), tinha-se a sensação de flutuar noutra qualquer dimensão. Havia uma brisa especial, diferente das outras e, se nos deixássemos levar pela fantasia, ganhávamos asas e as nuvens eram nossas.
Quando Catarina conheceu o Luso já estava, sem se aperceber da dimensão, apaixonada por África. Ah! Sim, África conquistou-a desde o primeiro momento em que, anos atrás, tinha descido do avião e pisado a pista de Bissau (Guiné). Foi um espanto e uma descoberta, um encanto e um feitiço. Os cheiros inolvidáveis, o ritmo inebriante, a mistura nem sempre pacífica da humidade com o calor, o conhecer das suas gentes, fizeram brilhar o esplendor tropical.
Quando se abre a porta ao continente africano não se imagina (não se pode) o turbilhão que nos espera porque África na sua grandiosidade emana uma força prodigiosa, arrebatadora e indelével. Em Bissau, Catarina descobriu África e, no Luso, viria a enfrentar um vendaval de emoções.
Anos mais tarde, o Livro da Vida orientou Catarina pelo mundo. Foi viajante em muitos países e acabou por escolher Portugal para viver. Muitas são agora as vezes em que já vergada pelos anos procura o mar e, sentindo-lhe a frescura e o borbulhar da espuma das ondas, invoca o que de melhor há em si. Invoca Deus, os Santos, os Anjos, os Espíritos de Luz. Invoca mesmo Iemanjá os deuses dos mares e das ondas. Projecta-se para o mais profundo do seu Eu ou para o mais distante de si.
Olha a grande estrada azul e, por vezes, sente o vento agreste. Mas fica. Mistura as nuvens com o Sol; as águas com as lonjuras do horizonte; o recorte do litoral com as rochas caprichosas que parecem figuras inanimadas. Fica, pensa, espera, num ritual de prece. A areia escorre-lhe pelos dedos e Catarina acompanha o seu deslizar sereno. Quem sabe se um dia, do fundo do mar adormecido, numa noite de lua pálida ou numa tarde de sol resplandecente, os deuses entenderão os sonhos? Vagueia, docemente, olhando a pomba azul que desaparece sempre nas estrelas adormecidas.
Catarina vive e desvive em cada memória e em cada saudade. Esta é a sua luta, o seu mundo e, por vezes, na caminhada sonolenta nas tardes de praia, sente que um murmúrio de brisa sobrenatural a arrebata, dizendo-lhe que a compreende. Aí, Catarina, sente mesmo as asas dos ventos sussurrantes. Como no Luso, no coração do Moxico.
1 Comentários:
Aleluia!!!
Que bom vê-la de volta!!!
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