CONCERTO 21 DE MOZART
Hoje, é tempo para navegar na noite, devorar o silêncio no jardim inebriante e envolvente onde as luzes veladas e indirectas esboçam espaços inatingíveis que olhamos, sentadas, nos bancos de bambu, polidos pelos brilhos dos imensos e poderosos luares. Não há intenção para desafios nem se esperam respostas às dúvidas que, por vezes, sufocam os dias. Apenas um estar doce, silencioso e macio numa abundância espiritual que aquieta e restaura emoções fragilizadas, que ensina a explorar, dentro de nós, a riqueza, o mistério, arquivados nos centros da memória.
É tempo certo para contemplar -num ritual profundo, às vezes adormecido- e aceder ao impulso de deslizar pelo manto da noite, sem sair do jardim de buganvílias e rosas de veludo, em contacto com dimensões que inquietam e fascinam. É tempo intimista, gratificante, pleno de magia, convidando à reflexão no santuário iluminado onde se domina a vida, com entusiasmo e pensamentos disciplinados, como senhores inspirados de festivos destinos. É tempo de redescobrir e despertar a plenitude da existência que gostávamos fosse sábia e força indomitável a guiasse. Há muita luz nas noites de interiorização, passadas nos jardins de brisas ondulantes que antecedem as alvoradas. Que não deixam de ser nossas, nos voos dos silêncios e dos impulsos.
Há noites deliciosas, especiais e únicas, envoltas na imortalidade de Mozart, escolhidas espaçadamente para não se perderem na banalização e nos soarem eternamente sublimes. Escolhem-se nas noites brilhantes de brisas mornas, sentadas nos jardins inebriantes de luzes indirectas e veladas. Cerram-se os olhos, libertam-se os músculos e os sentidos e, enlevadas, começamos a escutar os acordes lentos do Concerto para Piano nº 21 (segundo andamento) e, a partir daí, somos aves, folhas, nuvens, estrelas, templos, brilhos cintilantes, pétalas de rosa, chama, braços abertos aos universos.
Pára a brisa, pára o movimento da noite e da Terra. O som emotivo de Mozart invade-nos os sentidos, na subtileza, no lirismo pujante de serenidade e, cedemos ao diálogo entre o piano e a orquestra que nos transporta arrebatadora e intensamente ao centro do tornado da nossa saudade.
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