Brumas de Sintra

Ponto de encontro entre a fantasia e a realidade. Alinhar de pensamentos e evocação de factos que povoam a imaginação ou a memória. Divagações nos momentos calmos e silenciosos que ajudam à concentração, no balanço dos dias que se partilham através da janela que, entretanto, se abriu para a lonjura das grandes distâncias. Sem fronteiras, nem limites

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O meu nome é Maria Elvira Bento. Gosto de olhar para o meu computador e reconhecer nele um excelente ouvinte. Simultaneamente, fidelíssimo, capaz de guardar o meu espólio e transportá-lo, seja para onde for, sempre que solicitado. http://brumasdesintra.blogspot.com e brumasdesintra.wordpress.com

domingo, 16 de março de 2008

AS ESTRADAS DA MEMÓRIA


Os moradores do Mundo, que somos todos nós, imbuídos de átomos e poeiras divinas têm, desde sempre, mais dúvidas do que certezas e a procura das respostas às sucessivas e sempre renovadas interrogações é constante. Questões como: Quem sou? Para onde vou? Qual é a minha missão? As perguntas tocam a todos e podem ser um excelente ponto de partida para salutares interiorizações. Hoje, mais do que nunca, através de técnicas de aperfeiçoamento há quem consiga conhecer-se bem ou razoavelmente, mas há também quem se sinta desajustado entre o corpo e o espírito. Viver não é fácil, é preciso saber activar mente e energia. Desvendar códigos e sentir alegria por se estar vivo, como a Natureza gosta!


Sentir alegria por se estar vivo, é poderosa essência capaz de operar verdadeiros milagres. Foi o caso de um soldado americano, vamos chamar-lhe “Tom”, ferido na Primeira Grande Guerra (1914/1918) que aliou a coragem à gratidão por sobreviver Das linhas da frente foi transportado para o hospital provisório na retaguarda das linhas do Castelo Tierry, onde se verificou que tinha sido ferido no lado direito, por detrás da clavícula, atravessando o pulmão, diafragma, vesícula e fígado. Além disso, tinha treze perfurações nos intestinos e seis delas eram duplas. Quando chegou ao hospital estava consciente e, enquanto o preparavam para a operação, Tom, esboçando um sorriso, por certo amarelado, não parava de dizer:


-Estejam calmos. Eu estou bem... estou vivo!


Abriram-lhe o estômago, coseram-lhe as perfurações e, espantosamente, sobreviveu. Ao acordar revelou uma vitalidade surpreendente, de tal maneira que o seu grito de guerra fez eco nas enfermarias:


-Eu estou bem. Estou vivo!


E todos os feridos se sentiram tocados pela forma como ele se agarrava à vida, apesar de ter colapsos, pulso anormal, febres altíssimas, delírios, mas quando recuperava e voltava a estar lúcido, repetia:


-Eu estou bem. Estou vivo!


Dos doze soldados que entraram com ele em estado muito grave, quatro morreram, mas os outros, seguindo o exemplo de Tom, agarraram-se à coragem transmitida pelo companheiro que, subitamente, lhes despertou o intenso desejo de lutar e de continuarem vivos. E, contrariando todos os prognósticos, sobreviveram. Tom não desistiu de lutar, apesar do quadro clínico inicial fazer crer que o desfecho seria fatal. Só que para ele continuar a percorrer a estrada da sua vida não era um desejo débil. Tinha a força gloriosa dos que são gratos por cada segundo das suas existências. Por isso, venceu!


Lembrei-me desta história, muito antiga é certo, por há dias (12.03) ter lido que em França morreu o seu último veterano da Primeira Guerra Mundial (morreram 1,4 milhão de soldados franceses). Chamava-se Lazare Ponicelli. Tinha 110 anos e era de ascendência italiana.


Tive o privilégio de em 1983, creio, ter entrevistado uma das enfermeiras portuguesas que esteve em França a apoiar Corpo Expedicionário Português. Penso que eram quatro (não tenho aqui a revista) e elas, foram, sem dúvida, as pioneiras mulheres portuguesas na guerra. Era uma senhora bastante idosa, de olhar sereno mas um pouco perdido, talvez, no horizonte das suas recordações. Entrevistei-a num lar, na zona de Campo de Ourique. O seu quarto, num primeiro andar, era uma espécie de montra de memórias. Havia muitas fotos. Ao longo do diálogo -revelou muita lucidez-, não disfarçou o orgulho por ter pertencido a um restrito grupo feminino que cumpriu a missão, ao lado dos soldados do seu País. Não posso afirmar, não me lembro, mas julgo que nunca chegou a receber qualquer condecoração por parte do Governo português.


No sangrento e vasto campo de batalha sucumbiram mais de nove milhões de soldados (de diferentes países). Quase dez mil portugueses mortos e milhares de feridos, colocados na Frente Ocidental, na Flandres (França). O Corpo Expedicionário Português (comandadas pelo general Gomes da Costa), participou na decisiva batalha de La Lys, uma das mais sangrentas travadas neste conflito, num período negro da História Mundial (iniciado a 28 de Julho de 1914). As tropas alemãs (com 50 mil homens) venceram, em sete horas, os militares portugueses num desaire verdadeiramente dramático. A 11de Novembro de 1918 foi assinado o Armistício que pôs fim ao conflito.


Passaram-se noventa e quatro anos e o Mundo, hoje, tal como há nove décadas atrás, continua vulnerável às ameaças quem vêm dos confins da existência: os humanos continuam a poder ser destruídos pela fome, pela peste e pela guerra. Os perigos não desapareceram. Há fome, há doenças e há guerras. É necessário, portanto, que também exista a coragem e a gratidão que Tom, em 1914, demonstrou ter quando, mais morto do que vivo, decidiu agarrar-se à vida.

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