SÓCRATES: DO GRITO DA VERDADE AO DO IPIRANGA
Esperei propositadamente uns dias para falar da recente entrevista, na SIC, feita ao Primeiro-ministro José Sócrates (a frio analisa-se melhor) e, reconheço, que não foi das suas mais brilhantes intervenções. Pelo tom de voz, por um visível cansaço, mais mental do que físico (provavelmente).
Também não me encantou a condução dos entrevistadores. Pela qualidade de profissionalismo que os caracteriza podiam ter feito melhor e martelar nos famigerados projectos que Sócrates assinou ou não, é irrelevante. Sobre isso o entrevistado já tinha respondido demasiadas vezes.
Falando francamente, preferia ter visto nessa noite o Primeiro-ministro, molhado até aos ossos, nas zonas afectadas pelo temporal. Se fosse em Espanha, por exemplo (já para não referenciar Nicolas Sarkozy, com ou sem Carla Bruni), lá estariam os Príncipes das Astúrias, junto aos angustiados, mostrando-lhes que estavam com eles, na hora do desespero. O povo precisa de sentir que não está só. Pouco adianta no momento, mas reconforta.
Não demorou muito tempo para que os ecos da entrevista da SIC se fizessem ouvir e se pudessem ler. Através da Rádio escutaram-se muitas, diversas e longas opiniões e, aí, lembrei-me da expressão de um determinado general romano que –parece- disse no seu tempo:
- Lá para o Sul há um povo que não se governa nem se deixa governar…
Continuamos a ser assim! Por hábito, sina ou fatalidade, não deixamos de dificultar as sucessivas governações. Gostamos das que não temos e, quando as temos, já ansiamos pelo regresso das outras. Ainda hoje somos instáveis e, no fundo, não sabemos o que queremos. Temos é de nos sentir contra. É mau. Foi mau e será péssimo se não crescermos cívica e políticamente.
Falando de José Sócrates e Cavaco Silva, penso que são a hipótese certa que Portugal tem, hoje, para conseguir enfrentar os desafios do futuro. A reacção que se está a vulgarizar dos apupos e manifestações verbais, afrontando o Primeiro-ministro, em permanente desacordo (orquestrado do exterior e, por vezes, do interior) levar-nos-á à situação de qualquer dia podermos querer eleger um Presidente da República ou Primeiro-ministro e não existir ninguém credível a querer candidatar-se. É preocupante, qualquer dia ainda corro o risco de ser convidada!!!
Tenho uma opinião sobre o futuro político das presidenciais, por volta de 2015/17 (a esta hora não consigo saber datas correctas). Depois de Durão Barroso terminar o seu segundo mandato, será um potencial candidato. O seu trabalho pode não contentar uma vasta franja de portugueses (!), mas tem conquistado pontos a nível internacional. António Guterres, muito à sua maneira, está a acumular um silêncio político amorfo mas internacional, que facilmente é convertível em prestígio, em relações internacionais que ficarão bem a um Presidente (é humanista e, isso, é bom).
Entretanto, José Sócrates terá andado pela Europa a contabilizar conhecimentos e contactos. A levar a Portugal pelo mundo fora. A engrandecer-se politicamente, a aprender o toque subtil da maciez verbal que hoje, por vezes, peremptoriamente, ainda não domina. A obra feita e a situação de Portugal poderá já ser analisada à distância e, por ela, o ex-Primeiro ministro será um fortíssimo candidato a Belém. Luís Amado, sabedor e discreto, poderá ser a grande revelação política do futuro. Ele sempre teve uma intervenção correcta, mesmo brilhante, no desempenho das suas funções. Pode dizer-se que é um ministro presidencial. Um dia, poderá ser o locatário do palácio cor-de-rosa.
E quanto a Portugal? Por entre apupos de uns, a esperança de outros e reformas governamentais, vislumbramos um Portugal forte e moderno. O que temos agora? Que terrenos pisamos? Pois bem, Portugal está a ganhar forma e a deixar marcas firmes na política internacional Europeia. Tudo o que tem feito nos últimos anos, tem corrido bem. E, entretanto, poderão surgir condições para (finalmente) se desenvolver uma estratégia de política com os Palops e, aí, ficamos definitivamente, no centro da cena internacional, à nossa escala (pequena) mas com eficiência, identidade, iniciativa e capacidade que é mais vocação que obrigação.
Portugal está num tempo em que, se não recear as sanções de Bruxelas, deve empreender passos seguros com África, por iniciativa própria, sem esperar que a política internacional Europeia se defina objectivamente. É como dar o grito de Ipiranga, como o que formou o Brasil e agora formaria a Comunidade Mundial de Língua Portuguesa que os ingleses, americanos e agora russos e chineses dispensam e fazem com que não aconteça. Bruxelas não expulsará Portugal por isso e se quisesse penalizar a iniciativa estaria a enviar uma má mensagem aos Palops e, isso, a EU não quer! África apoiaria Portugal nessa iniciativa pioneira porque seria uma forma de ganhar mais hipóteses de entrar vigorosa na EU (União Europeia).
É necessária ponderação, sapiência, estratégia, política lúcida, para o êxito do projecto. E, aí, recordo novamente Luís Amado (Ministro dos Negócios Estrangeiros), ele que tem sido também um dos pilares do sucesso nas negociações de Portugal pelo mundo, seria um interlocutor (imbatível) com África. Neste sector não esqueço Durão Barroso, é que ele é o Presidente Europeu com mais prestígio e empatia junto dos Palops, desde o seu papel estruturante em Bicesse. Nada nos falta para nos aproximarmos de África. Está tudo a indicar que o devemos fazer, até, por exemplo… a necessidade absoluta que temos de o fazer de qualquer modo.
Falei das presidenciais que ainda estão longe, da necessidade de subirmos à Montanha Alta e os portugueses darem novamente o grito de Ipiranga. E o povo? Aquele que apupa governantes, que faz greves atrás de greves, aquele que se defronta diariamente com as dificuldades? As dificuldades são reais é verdade mas os portugueses, como disse o tal general romano, são potencialmente ingovernáveis, no sentido de apatia como Nação. Falta-lhes ambição, objectivos como tem Israel, por exemplo, Singapura, Dubai ou alguns novos e bons países do Leste. Estamos tão bem arrumadinhos num canto há 900 anos que não nos habituámos a competir para sobreviver como Nação. O centro da Europa sempre teve que lutar por causa de guerras e invasões e agora com mudança de sistemas políticos e fronteiras. E nós? Estáveis e conformados.
Reconheço que tem havido uma certa fragilidade na liderança governamental: ausência de explicações em certas decisões políticas. O povo tem de reconhecer em Sócrates (eleito democraticamente) o líder que tem a noção da verdade e que a pratica na condução do País. Lembro Teixeira dos Santos (Ministro das Finanças), meio carrancudo, não dá azo a argumentos, aplica o que pensa que tem de ser feito (por acaso até é sacar-nos a massa) mas conta a verdade. Toda. Uma vez. E segue em frente.
Contar a verdade foi o que Churchill fez para não perder tempo enquanto geriu a guerra; foi o que Gandhi também fez para não perder a oportunidade de agarrar a independência; é o que Al Gore está a fazer! A abanar consciências, já que o fim do Planeta não é tão distante como pensavam os cientistas. Há que modificar hábitos e mentalidades; Mandela também o fez, contou a verdade e teve sucesso com um dos povos mais guerreiros do mundo (os Zulus, que até nem eram da sua tribo). Soube deixar para trás as mazelas de um dos regimes mais injustos onde vigorava o apartheid.
À nossa escala, Sócrates só se devia preocupar em contar a verdade política em tudo e seguir em frente. E preocupar-se somente com as verdades que moldam o nosso futuro. Os projectos? Assinou? Não assinou? Há 20 anos? Isso é polémica a uma dimensão muito pequena que não deve interferir nem seu tempo nem na sua agenda. Bastava, na altura, um comunicado breve para a Imprensa .
Tem de contar a verdade: Portugal tem de aumentar, já este ano, a produtividade laboral. Tem de dizer a verdade, a que diz que é difícil gerir os grandes interesses e ao mesmo sanear mas, se lhe derem tempo, Sócrates fará mais do que já fez e fará a diferença: a que diz que vamos continuar a pagar impostos mas que também diz que passa a ser cada vez mais visível e transparente o que se faz com esse dinheiro.
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