Brumas de Sintra

Ponto de encontro entre a fantasia e a realidade. Alinhar de pensamentos e evocação de factos que povoam a imaginação ou a memória. Divagações nos momentos calmos e silenciosos que ajudam à concentração, no balanço dos dias que se partilham através da janela que, entretanto, se abriu para a lonjura das grandes distâncias. Sem fronteiras, nem limites

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quarta-feira, 24 de setembro de 2008

O NOSSO FUTURO DEPENDE DO FUTURO DO MUNDO

Foto: Sapo/Windows

Ontem, inaugurou-se na Póvoa do Varzim algo que considero muito importante e quando me preparava para falar sobre o tema, lembrei-me de Eurico da Fonseca e de uma afirmação que me dera numa entrevista em 1978, e que estava relacionada com a referida inauguração. Ao pesquisar algo mais sobre este brilhante cientista e investigador português, inesperadamente, descobri num site, Setúbal Em Rede, uma entrevista que lhe foi feita no dia 31 de Dezembro de 2000, por Etelvina Baía. Achei-a imperdível e, por isso, transfiro para amanhã a inauguração do parque de ondas e, hoje, se o tema lhe interessa leia o que há oito anos disse Eurico da Fonseca.


O cientista e investigador Eurico da Fonseca, cujas raízes estão ligadas ao distrito de Setúbal, diz-se apreensivo quanto ao que a humanidade poderá fazer do próximo século. Nada de bom, receia, pelo menos a avaliar pelo que diz ter sido o depauperamento dos recursos do planeta em favor do consumismo e das invenções de usar e deitar fora. Para acabar com este princípio, o cientista defende um novo modelo de sociedade baseado no equilíbrio entre a Natureza e as necessidades do Homem. Mas para que isso aconteça, principalmente em Portugal, há que acreditar nos cientistas e, principalmente, informar os cidadãos e melhorar a sua cultura científica.


Setúbal na Rede - Como é que vê o pensamento científico deste milénio?


Eurico da Fonseca - Vejo-o com preocupação porque as pessoas têm sido dominadas pela crença em vez da consciência. Refiro-me ao facto de serem tão preguiçosas que acreditam nas coisas antes mesmo de as compreender e, isso, para a ciência, é um erro fatal. Neste momento estamos divididos entre dois mundos: o da crença que acredita em coisas como por exemplo a astrologia, sem fazer o mínimo esforço para compreender o que se passa, ou então inventa-se ciências que não existem; por outro lado, temos a ciência propriamente dita. Mas esta também não se pode levar ao cientismo porque a dúvida existe e faz parte da ciência. Agora a crença não tem dúvidas, é o dogma que, para mim, significa exactamente o contrário da consciência e da inteligência humana. Ou seja, se uma pessoa acredita num dogma prescinde da sua própria inteligência e deixa de ser um ser humano.


SR - Apesar da constante luta entre a crença e a ciência, não lhe parece que a ciência evoluiu muito ao longo deste milénio?


EF - Sem dúvida, o mais importante foi exactamente a ciência ter evoluído desta maneira. Mas o mais trágico é as pessoas não saberem tirar partido da ciência para melhorar a sua própria vida. E mesmo com todo o movimento ambiental existente, ainda estamos muito longe de ver essa consciência. As descobertas científicas foram muito importantes mas há coisas a que as pessoas não ligam. Certamente que ainda não deram pelo facto das leis da relatividade terem dado uma imagem completamente diferente do mundo e quando se diz que Einstein foi a figura do século isso é bem verdade. E aproveito para dizer que quando ele descobriu as Leis da Relatividade nem sequer era licenciado nem doutorado, era um simples funcionário da repartição de patentes de Genebra. Por outro lado, com base em alguma correspondência pessoal, há quem suspeite que quem teve as ideias básicas sobre isso foi a mulher dele. Seja como for, as Leis da Relatividade vieram mudar o nosso olhar e toda a concepção que temos do Mundo.


SR - Pode dizer-se que Einstein foi o responsável por uma nova geração de cientistas?


EF - É, pelo menos, o responsável pelo 'salto' que o pensamento científico deu, porque as pessoas começaram a pensar que aquilo que os mestres diziam nem sempre era verdade. Aliás, o próprio Einstein foi criticado porque a partir daí os cientistas começaram a olhar os seus próprios trabalhos e inventos de uma maneira crítica. No entanto, houve problemas que ele também não conseguiu resolver, como foi o caso da uniformização de todos os sistemas relacionados com a energia, por exemplo: o magnetismo e a gravidade. Hoje, há teorias a esse respeito e que ainda não estão perfeitamente harmonizadas.


SR - Acha que a sociedade deste século está preparada para compreender a ciência e os próprios cientistas?


EF - Não me parece que as pessoas, no geral, estejam preparadas para compreender a ciência e a sua utilização. E isso vê-se todos os dias na aceitação dos dogmas e dos mitos. Por outro lado, há a ideia errada de que o cientista é um homem frio, um materialista. Houve uma vez um cientista que disse que as pessoas admiram os artistas, e têm muita razão para os admirar, mas por outro lado esquecem-se de que, quando um cientista estuda uma flor, está implicitamente a adorar tudo quanto a Natureza fez na flor. E para compreender tudo o que é essa flor, o cientista tem de ter a imaginação e a capacidade suficientes para estudar todos os seus pormenores e saber admirá-los.


SR - Tendo sido este o século das descobertas, qual lhe parece ser actualmente o maior problema da humanidade?


EF - O grande problema que actualmente se coloca à humanidade é o abismo que existe entre o estado em que está o planeta e aquilo que, provavelmente, nos poderia ser dado se houvesse mais atenção relativamente à forma como a Terra tem vindo a esgotar as suas reservas. Ou seja, se por um lado a ciência ainda pode oferecer muita coisa neste sentido, por outro não se verificam esforços suficientes por parte dos governos, quer para esclarecer a população sobre este assunto, quer para fazer os investimentos necessários para fugirmos a uma grave situação que se aproxima. Não é preciso ir mais longe, basta dar o exemplo de Portugal que, em 1998, foi o país do mundo que mais cresceu em termos do consumo de energia. Neste momento está a fomentar-se, por todos os meios, a compra e o uso do automóvel em Portugal quando corremos o risco de daqui a 50 anos o planeta ter esgotado as reservas de combustível. E eu pergunto o que acontecerá depois disso. Um outro exemplo é o novo aeroporto de Lisboa porque, a continuarmos a esgotar energias desta maneira, quando ele estiver construído muito dificilmente as pessoas o poderão utilizar. Basta lembrar que há duas semanas os preços dos transportes aéreos nos Estados Unidos aumentaram verticalmente por causa do preço dos combustíveis.


SR - Até que ponto as investigações sobre a fusão a frio e sobre o hidrogénio poderão ser um caminho para a descoberta de um outro tipo de combustível?


EF - Tem havido muita informação contraditória acerca desses assuntos. No entanto, sabe-se que as ideias sobre a fusão a frio foram impostas até ao momento em que se soube que tinham nascido de uma guerra entre universidades para justificar a atribuição de subsídios. Na verdade nada disso era verdade e, segundo se soube, a fusão a frio é uma fraude. O mesmo pode aplicar-se às investigações sobre o hidrogénio porque, se por um lado andamos há que tempos a ouvir falar em automóveis a hidrogénio, por outro ninguém diz que ele é extraído da própria gasolina. Ou seja, voltamos ao problema do esgotamento dos combustíveis. O automóvel eléctrico existe mas é uma fraude porque os elevados preços dos componentes, particularmente das baterias, não permitem a sua comercialização. Por outro lado, esta também não seria a resolução dos problemas relacionados com a poluição porque estaríamos apenas a transferir essa poluição das zonas urbanas para as áreas onde estão instaladas as centrais de energia.


SR - Então, os desafios do próximo século estarão na procura de um equilíbrio entre a saúde do planeta e as mudanças que a tecnologia exige?


EF - É necessário repensar as tecnologias e toda a civilização. Ou seja, há que encontrar um outro modelo de desenvolvimento. Mas o problema é que a sociedade moderna está a ser levada pelo consumismo que é exactamente o contrário da poupança de recursos e de meios. Neste processo, os cientistas são atropelados pelos industriais porque estes estão mais interessados em fazer coisas que se deitem fora e possam ser substituídas. Ou seja, hoje em dia tornar as coisas obsoletas é uma prática normal. E isso começa com os automóveis e passa por tudo o que existe, é uma espécie de moda e quando as coisas saem de moda deitam-se fora.


SR - Ao longo deste século, como é que viu a evolução da ciência em Portugal?


EF - Muito mal, porque só agora é que começa a verificar-se a existência de algum pensamento científico. Há meia dúzia de anos aconteceu-me um episódio curioso, quando na RTP fizeram-me esta mesma pergunta e eu respondi o mesmo que agora: é lamentável que em Portugal a investigação científica não seja feita por razão da ciência mas sim para as pessoas obterem curriculum. Depois saem do país para se doutorarem ou fazerem o mestrado para depois verem se conquistam o cargo de professor. E quando eu estava a dizer isto, correu um filme em que se via um laboratório de uma universidade portuguesa com o investigador a dizer que estava a trabalhar num produto sem aplicação visível. Quando lhe perguntaram a razão disso, respondeu que era para o curriculum e para poder fazer o mestrado. Ou seja, as pessoas que têm algum valor acabam por ir para outros países e isso está a acontecer constantemente.


SR - Isso deve-se a falta de incentivo oficial na área da investigação?


EF - Os que existem não dão horizontes, no entanto isto não acontece só em Portugal. Trata-se de um fenómeno que acontece em muitos países. As grandes universidades, como é o caso das americanas e das alemãs, é que têm horizontes e grandes subsídios. E como muitas delas são particulares, conseguem financiamento para investigar. No entanto, não é só o dinheiro que faz falta porque para se investigar é preciso uma cultura científica. E essa cultura científica só agora começa a surgir em Portugal. E é preciso lembrar que até há cerca de 10 anos, quando se falava de ciência neste país era só no que respeitava à medicina. Os outros eram olhados como que uma espécie do operários e nada mais. Eu ainda me lembro de ter sido criticado por escrever sobre astronáutica porque diziam que estava a transtornar a cabeça dos jovens. Isto aconteceu por ocasião da primeira viagem à Lua, portanto mostra bem como era a cultura científica em Portugal e a mentalidade que existia até há bem pouco tempo.


SR - Porque é que esse olhar dos portugueses sobre a ciência foi mudando?


EF - Primeiro porque é muito diferente a maneira como a ciência é olhada em todo o mundo. Depois porque a Internet tem sido um meio privilegiado para o excelente trabalho desenvolvido pela NASA ao nível da divulgação de toda a ciência. De maneira que agora assiste-se a uma atitude completamente diferente, com os jovens a interessar-se verdadeiramente pela ciência. Estou mesmo convencido de que Portugal está a caminho de uma cultura científica diferente, embora discorde da actuação do Governo em alguns pontos, como é o caso da questão da energia. Num país onde se está a esgotar tudo, é pena que só a parte da ciência e tecnologia é que esteja a ser devidamente desenvolvida. No entanto, devo dizer que neste campo tem sido feito um trabalho muito notável e é bom que assim continue.


SR - Como cientista ligado ao distrito, como é que vê a massa crítica da área da investigação científica nesta região?


EF - Acho que as universidades e os institutos superiores que aqui existem poderiam ter um papel mais importante nesta área. É uma pena que praticamente nada se faça a esse respeito. O distrito é um bom terreno de investigação que, infelizmente, está a ser ignorado por todos nós. Começando pelos habitantes que ignoram as riquezas que aqui temos, e passando pela comunidade científica. Hoje em dia poucas pessoas conhecem a história desta região e isso é fundamental para se conhecer a própria zona em que se vive. A investigação ligada à História é muito importante porque as pessoas foram desenvolvendo a ciência e a tecnologia consoante as suas necessidades. Poucos sabem que o diferencial do automóvel foi inventado por Leonardo da Vinci e, por outro lado, poucos sabem quando é que ele começou a ser utilizado. A invenção estava feita mas só passou a ser utilizada quando foi necessária. Depois passámos da aplicação das invenções de acordo com as necessidades para a invenção de necessidades para as aplicações.


SR - De que é que o distrito precisa para evoluir no sentido do pensamento científico?


EF - Precisa essencialmente de consciencialização e isso só se consegue com informação. É preciso que a população tenha mais informação sobre as questões da ciência e da tecnologia do que a que tem hoje, que é praticamente nula. Temos universidades e institutos mas dali não sai nada para o povo e as pessoas continuam na ignorância. Em Setúbal há coisas muito belas que as pessoas acabam por perder por falta de conhecimento, e o que é fantástico é ver crianças pequenas conhecerem todos os artistas e mais alguns, mas não conhecerem os nomes dos cientistas que mudaram o mundo.


SR - Enquanto investigador, vê o próximo século com alguma preocupação?


EF - O nosso futuro depende do futuro do mundo e a minha visão do mundo divide-se entre a decadência e aquilo que os homens poderão fazer para a evitar. As pessoas ainda não têm a noção do que nos espera e parece-me que é preciso cairmos na decadência e no caos para que depois a humanidade renasça. Tudo isto tem a ver com as questões ambientais e com o esgotamento das reservas do planeta que, como está mais que provado, acaba por provocar enormes desequilíbrios sociais e humanos. Portanto, enquanto a humanidade não perceber isto, o nosso futuro será uma grande incógnita.



Teus olhos devem olhar à frente, para que a tua vista preceda os teus passos
(Salomão)

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