Brumas de Sintra

Ponto de encontro entre a fantasia e a realidade. Alinhar de pensamentos e evocação de factos que povoam a imaginação ou a memória. Divagações nos momentos calmos e silenciosos que ajudam à concentração, no balanço dos dias que se partilham através da janela que, entretanto, se abriu para a lonjura das grandes distâncias. Sem fronteiras, nem limites

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O meu nome é Maria Elvira Bento. Gosto de olhar para o meu computador e reconhecer nele um excelente ouvinte. Simultaneamente, fidelíssimo, capaz de guardar o meu espólio e transportá-lo, seja para onde for, sempre que solicitado. http://brumasdesintra.blogspot.com e brumasdesintra.wordpress.com

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

BOLAMA, A DIVINA


Bolama, uma ilha aconchegante que chegou a ser capital da Guiné, tinha uma beleza natural absolutamente exuberante embora a degradação nos edifícios fosse quase desoladora. O hotel era provavelmente o imóvel mais bonito, quase majestoso, apesar do branco já farrusco pelo tempo e pela intensa humidade do clima deixar marcas implacáveis na pintura que, no original, deveria ser belíssima. Foi para lá que Catarina se dirigiu.

O proprietário, o senhor Patrício, de rosto simpático e sorridente, veio amistosamente ao seu encontro, recebendo-a na zona da esplanada por onde se espalhavam umas bonitas mesas redondas de ferro caprichosamente trabalhado.

- Boa tarde, é bom vê-la. Deduzo que seja a nova hóspede. Sei que é jornalista e veio de Angola. Isso é que é vontade de andar metida em confusões, quem diria? Logo a senhora que tem cara de anjo!


- Boa tarde, não se fie nisso. -respondeu Catarina, sorridente.
É a primeira vez que venho a Bolama, mas já estive há dois anos em Bissau. Embora esteja calor parece-me que o clima aqui é diferente do da capital. Mais suave, não?

- Ah! Sim. Bolama tem realmente dos melhores climas da Guiné, e foi uma cidade linda. Com movimento. Esta avenida que vai dar ao rio era, depois de o calor abrandar ponto de encontro e de passeio. Havia cinema, boas lojas. Enfim, tinha a vida das capitais e este hotel estava sempre cheio. Até andaram cá os americanos que descobriram petróleo, mas os militares são agora os únicos que ainda dão algum movimento a isto. Tirando os que estão de passagem, as caras são sempre as mesmas. O que se ouve é o constante martelar nos caixotes de quem se prepara para partir. Ninguém quer ficar aqui. É terra para abandonadar. Não para esquecer, repare. Para abandonar, pelas circunstâncias, claro.

- Partem por medo? -perguntou Catarina interessada no diálogo espontâneo com o dono do hotel.

- Sim, por medo claro, mas também por desencanto. Deixaram de haver metas para alcançar. Não há futuro, o nosso tempo terminou. Estão a abrir-se novos ciclos. Sabe, acho que eles têm direito à sua terra.

- Eles quem?- pergunta Catarina

- Os negros. Esta terra é deles! Só que no dia em que a tiverem na mão, não estão preparados para isso, vão sofrer. Mas ganharam a sua causa e o ideal por que lutaram. Todavia, lembrarão com saudade os portugueses, passem os anos que passarem. Nós nunca esqueceremos África, mas eles também nunca se esquecerão de nós, garanto-lhe eu que vivo aqui há décadas.

- Mas matam-nos! -disse Catarina

- E nós a eles? -perguntou o senhor Patrício

-
Tem razão, é a guerra! Ela nunca é feita por aqueles que andam nas linhas da frente. Esses são os puros, dão a vida por uma causa, defendem a Pátria, a Bandeira, mas ninguém lhes pergunta se concordam ou não com o conflito onde os integram. Não querem morrer, e para isso aprendem as leis da sobrevivência. Já vi tanta coisa na guerra que chego a pensar que se esquecem de que há o outro lado: a paz. E, paradoxalmente, os combatentes, um e de outro lado, anseiam por ela minuto a minuto.

-
Concordo consigo. Sonha-se com a paz, com razão. Todos estamos saturados de guerra. Sabe quem está atrás de si?

- Sei, é o Magna, disseram-me no quartel, vai ser o meu ajudante, responde Catarina com naturalidade.

-
Tem sorte, ele é um bom homem, mas diz-se que é o chefes dos Balantas.

- Isso quer dizer o quê?! pergunta Catarina admirada.

- Não vê? Está nas fileiras do Exército português, mas tem poder entre o seu povo.

Catarina, escutava-o com atenção

Repare -disse o senhor Patrício-
, convivemos com eles, vivem os dias a nosso lado, dentro das nossas casas e sabemos que têm metas, sonhos e ideais para conquistar diferentes dos nossos e, curioso, somos amigos. Aqui não há racismo e, exceptuando casos aberrantes, o português dá-se muito bem com o guineense. Eu sou pela liberdade dos povos, mas acho que ela deve ser dada quando estiverem criadas as condições para isso. E, a verdade, é que, em 1963, ainda não estão.

A independência é inevitável. Ela chegará e, com essa nova situação, surgirão os problemas do crescimento, de aprendizagem da democracia. Novas lutas, novas realidades, mas dentro de largos anos serão os portugueses os conciliadores, os intermediários da concórdia.

- Pode ser. diz Catarina. Só que a herança de parte a parte é dura. Choram-se já tantas vidas por viver. Quando um dia for assinada a paz, não vão chegar nem os dias nem as noites para esquecer realidades que nos envergonham como humanos. Acha que posso confiar no Magna?

- Pode. Um Balanta é leal, disse o senhor Patrício

-
Não me mata?

-
Claro que não, mas mandaria matá-la se isso fosse necessário para a sua luta. Confie, ele daria a vida por si, se ela corresse perigo, em qualquer outra circunstância.

Catarina olhou Magna e pareceu-lhe sentir que ele tinha percebido o diálogo.

-
Magna, vamos. Por favor, ajuda-me a levar as malas para cima.

- Sim, senhora.

Naquele momento nenhum dos dois podia imaginar que entre eles nasceria profunda admiração e respeito. Magna, provou ser leal e corajoso e, Catarina, demonstrou admirar-lhe a lealdade e o carácter.



2 Comentários:

Blogger Pitigrili disse...

Quando é publicado o livro?

12 de fevereiro de 2008 às 03:46  
Blogger MEB disse...

Gostava, é verdade. Mas as editoras não se mostram interessadas. Dizem que não sou conhecida! Mas vou focalizar-me no meu assunto e vai sair, daqui a uns anos, o livro mais vendido...da minha rua.
Este meu exercício de escrever frequentemente e com temas variados é para eu não me esquecer da arte da escrita. Gosta de me ler?

12 de fevereiro de 2008 às 22:18  

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