Brumas de Sintra

Ponto de encontro entre a fantasia e a realidade. Alinhar de pensamentos e evocação de factos que povoam a imaginação ou a memória. Divagações nos momentos calmos e silenciosos que ajudam à concentração, no balanço dos dias que se partilham através da janela que, entretanto, se abriu para a lonjura das grandes distâncias. Sem fronteiras, nem limites

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O meu nome é Maria Elvira Bento. Gosto de olhar para o meu computador e reconhecer nele um excelente ouvinte. Simultaneamente, fidelíssimo, capaz de guardar o meu espólio e transportá-lo, seja para onde for, sempre que solicitado. http://brumasdesintra.blogspot.com e brumasdesintra.wordpress.com

quinta-feira, 1 de maio de 2008

SEJA GATO


Embora tenha tentado uma concentração perfeita os resultados não foram animadores. Procurava lembrar-me onde tinha conhecido o mestre Tarkiake, em Luanda, mas, sinceramente, os arquivos da memória devem conter informação em demasia e, bloquei! Só me recordo que ele era colaborador do programa Madrugada (galvanizava as madrugadas angolanas), transmitido diariamente na Rádio Ecclésia, uma produção de José Manuel Bento, onde eu era locutora. O mestre Tarkiake (holandês) era um expert em artes marciais e, talvez, não esteja errada ao pensar que ele era o responsável pelos ensinamentos nesta área junto…aqui reside o problema, não me recordo mesmo! Sei que o conheci num sarau de apresentação que deliciou os presentes. Mais tarde, foi convidado para fazer rubricas sobre o tema nos programas Madrugada e Top Ten Show, este transmitido aos sábados, também na Ecclésia.


Era um atleta credenciado do mais alto gabarito e como pessoa era um ser apaixonante: pela sua maneira de estar na vida, pela forma segura e esclarecida como falava, senhor de uma sensibilidade extrema e de um saber imenso que fazia gosto em partilhar. Aprendi muito com ele e, hoje, recordo-o quando ao navegar na Net encontrei um texto do padre Léo (brasileiro), retirado do seu livro Buscando as Coisas do Alto. Mas, antes de falarmos nesse texto vou recuar um pouco no tempo, regressar a Luanda (poderosa) e falar do que aprendi com o mestre de caraté que era um poeta da vida.


Aprendi, como já disse, alguns segredos que nunca esqueci. Lembro que o mestre dizia frequentemente que viver é um dom, uma graça Divina e uma arte. Por isso, achava que era despropositado, injusto, ingrato, para com o Criador não aproveitar os dias com a grandiosidade que lhes devemos. Era um fascinado pela Natureza e nela encontrava as respostas para as dúvidas e estados de espírito. Era encantatório ouvi-lo falar dos códigos da vida e, desses diálogos, dessa aprendizagem, ficaram sementes no meu pensamento que sempre germinam e florescem nas alturas próprias.


-Aprenda a vergar na vida, perante as fúrias dos desalentos de toda a espécie. Vergue o corpo, aprenda a cair e adquira ligeireza ao levantar-se. Vergue, dobre-se, torne-se gato, assim, não será vencida pelos vendavais. Eles passarão e, no fim, reerguer-se-á, sobrevivendo.


O que ele queria dizer é que a vida, pródiga em momentos difíceis, dias desanimadores e pessoas conflituosas, devem ser enfrentadas com humildade mas sem subserviência, com flexibilidade mas sem moleza. Vergar, aprender, sem nunca partir.


-Lembre o bambu que verga aos ventos, suporta vendavais e chuvas torrenciais mas, quando as tempestades amaciam, ele lá está erguido aos céus, sobrevivendo fortalecido. Seja firme, decidida, segura. Seja gato. Não seja dura, irredutível e fria perante a vida. Seja como o bambu que parece frágil e vence furacões.


Tenho saudades de tudo, da sua filosofia de vida, das suas crónicas onde se aprendia que os nossos limites são apenas aqueles que impomos a nós próprios e que há necessidade de não recear explorar o desconhecido e movermo-nos em campos novos, dando espaço à nossa criatividade. Para ele a vida era um grito da Alma e uma festa. Curiosamente encontrei um texto sobre o bambu que, como já se aperceberam, me fez recordar o mestre de artes marciais que conheci em Luanda e com o qual aprendi muito sobre a arte de viver.


O padre Léo, começa por nos falar de um menino que passava férias em casa do seu avô, e, num dia de tempestade, vê da varanda um forte temporal que acaba por partir ao meio uma enorme figueira e, um pouco mais à frente, um campo de bambu não sofreu qualquer dano!


-O bambu permanece de pé porque teve a humildade de se curvar na hora da tempestade e a figueira tentou enfrentar os ventos e as fortes chuvas e, partiu. Foi vencida. Não tinha maleabilidade. O bambu ensina-nos sete pontos que devemos conhecer e lembrar. Se tivermos grandeza e humildade, experimentamos paz no coração.



A primeira verdade que o bambu nos ensina e a mais importante é a humildade. A segunda, o bambu cria raízes profundas. É necessário, em cada dia, aprofundarmos as nossas. Terceira, um bambu não está só, ele nasce em campos junto aos outros, unindo-se, protegendo-se como fazem os animais mais frágeis que vivem em bandos para desse modo se livrarem dos perdedores.



(Neste momento estou a ouvir na Antena Um, Camané, interpretando Sei de um Rio. Não há palavras. Adorável. Ninguém canta tão bem como ele. É como que um ritual libertador de magia. Comovente. Sinceramente, apetecia-me terminar aqui, mas vou finalizar o texto do bambu).


Quarta, o bambu não cria galhos, nós perdemos muito tempo na vida tentando proteger os nossos galhos, coisas insignificantes às quais damos um valor inestimável. O desapego, é necessário. Quinta, o bambu é cheio de nós e não de eu´s. Como é oco sabe que se crescesse sem nós, seria fraco. Sexta, o bambu é vazio de si mesmo, é oco, enquanto não esvaziarmos tudo que rouba o nosso tempo e a nossa paz, não seremos felizes. Finalmente, a sétima lição: o bambu cresce para o alto. Procura as coisas do Alto. Essa é a sua meta.
Continuo a ouvir Camané...

…Se alguém me vir a teu lado e na música de um fado a noite não tenha fim, lembra-te logo de mim…Se a chuva no teu telhado repetir o mesmo fado e a noite não tiver fim, lembra-te sempre de mim…

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