Brumas de Sintra

Ponto de encontro entre a fantasia e a realidade. Alinhar de pensamentos e evocação de factos que povoam a imaginação ou a memória. Divagações nos momentos calmos e silenciosos que ajudam à concentração, no balanço dos dias que se partilham através da janela que, entretanto, se abriu para a lonjura das grandes distâncias. Sem fronteiras, nem limites

A minha foto
Nome:
Localização: Portugal

O meu nome é Maria Elvira Bento. Gosto de olhar para o meu computador e reconhecer nele um excelente ouvinte. Simultaneamente, fidelíssimo, capaz de guardar o meu espólio e transportá-lo, seja para onde for, sempre que solicitado. http://brumasdesintra.blogspot.com e brumasdesintra.wordpress.com

sexta-feira, 27 de junho de 2008

UM FILÓSOFO NA GUERRA


Catarina, de olhos molhados, leu e releu as palavras ditadas pela saudade e sentiu uma força poderosa e invulgar nascer na mescla do seu medo e da sua esperança. Mais do que nunca sentia-se disposta a descobrir a verdade, fosse ela qual fosse. Saudosa e determinada, tentou tudo (até os caminhos não oficiais), que a levaram ao outro lado da guerra.


Decidida, disposta a usar toda a sua capacidade de pensar e de agir, tentou tudo para conseguir encontrar o capitão desaparecido. Usou os seus múltiplos conhecimentos e foi assim que chegou a um conselheiro de um dos três Movimentos de Angola. Vivia em Luanda (quando não estava na base) num prédio bastante próximo do seu. Mera casualidade.


Por intermédio de uma amiga conseguiu que ele a recebesse e foi pessoalmente que a jornalista lhe pediu ajuda no caso dos militares desaparecidos. Chegou mesmo a contar-lhe a situação pessoal com o capitão Fernandes, facto que comoveu o Dr. Alberto, um excelente homem, doutorado na Suíça, que viria mais tarde a ter um fim trágico, apesar de ter dedicado a vida a lutar pelo ideal angolano. Alberto, garantiu-lhe que não havia militares capturados na base. Analisado o local do ataque e a localização da base, a distância era imensa.


- Tudo pode ter acontecido, mas não é fácil entender. Vamos continuar a indagar, apesar da dificuldade da situação.


- Porque me ajuda? -Perguntou Catarina. Alberto olhou-a serenamente e disse:


-Acredito que o amanhã da paz chegará. Respeito o inimigo, o que não quer dizer que pactue com ele. Os homens que hoje se matam ainda, um dia, se entenderão pelo diálogo, pela via diplomática, por acordos e eleições. Angola será livre e escolherá o seu caminho. Eu sou contra a violência, mas neste momento é necessária. É um paradoxo, mas para se conquistar a paz tem de se passar pela guerra.


-Lamento cada morto, seja de que lado for. Há que lhes dignificar a memória, e honrar o sangue derramado. Eles serão, no futuro, os guias para o caminho da concórdia que conduzirão os herdeiros à terra nova, prometida, e reclamarão o direito à Justiça. Morreram por uma causa, mas não vão deixar de pertencer às nossas fileiras só porque não estão visíveis a nosso lado. Eles são os guardiões do futuro, e ninguém está acima desta Lei, seja soldado ou general. Demore o tempo que demorar. A Angola dos homens livres reinará e, um por um, dos traidores, dos que asfixiarem a Paz, responderá no Tribunal da Vida. Os que sucumbiram no campo de batalha não morreram impunemente. Morreram para libertar um Povo. É uma das atitudes mais dignas do homem: libertar a Liberdade.


- Não é lógico este encontro, este diálogo, disse Catarina. Sou uma "inimiga", já que não estou do seu lado. Estou no campo contrário.


-Analisando os dados, é um encontro viciado. Tem razão. Pode até não ser aceitável e mesmo reprovável aos olhos dos meus superiores, mas eu vejo a guerra por um prisma diferente e, nem por isso, deixa de ser patriótico. Também sei que esta minha tolerância ditará, um dia o meu fim, mas não vou mudar por isso. O processo seguirá o seu curso normal. As atrocidades em nome da vitória não têm consistência e mesmo que demore décadas, chegará o “tal” dia do diálogo, do acordo, da vivência pacífica. O sangue já encharcou demais a terra angolana. Abra-se o caminho da Paz e deixem reflorescer este país, que carrega nos ombros a sua imensa riqueza e, simultaneamente, a sua chocante pobreza.


-Você está do lado contrário por circunstâncias da vida, mas não se pode matar todos os que não são dos nossos! A vitória alicerçada em carnificinas, não é vitória, é banditismo. Eu quero uma Angola civilizada onde as lutas tribais sejam ultrapassadas e, juntos, se escolha a Paz.


-Acha possível os partidos coabitarem?


-É futuro! Só esses tempos dirão dos rumos da História -estamos em 1975-, mas é necessária uma coabitação justa, livre e democrática para a felicidade de um povo. Que ela se faça com sabedoria e compaixão.


Catarina, saiu com a promessa de Alberto de que o que fosse possível fazer para saber do capitão, seria feito. Desceu a Mutamba e passou pela capela de Nossa Senhora da Muxima. Precisava do silêncio de uma igreja para coordenar ideias. Alberto pareceu-lhe mais filósofo do que guerreiro, e falava com a sabedoria dos esclarecidos. Abatida, mas simultaneamente movida por uma força interna, Catarina, recolhida na sua forma de falar com Deus, pediu-LHE ajuda e orientação. Sentia-se perdida e confusa. Flutuava nos dias, não vivia. Perdia-se em suposições sucessivas e, por isso, desesperava. ...

0 Comentários:

Enviar um comentário

Subscrever Enviar feedback [Atom]

<< Página inicial