Brumas de Sintra

Ponto de encontro entre a fantasia e a realidade. Alinhar de pensamentos e evocação de factos que povoam a imaginação ou a memória. Divagações nos momentos calmos e silenciosos que ajudam à concentração, no balanço dos dias que se partilham através da janela que, entretanto, se abriu para a lonjura das grandes distâncias. Sem fronteiras, nem limites

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O meu nome é Maria Elvira Bento. Gosto de olhar para o meu computador e reconhecer nele um excelente ouvinte. Simultaneamente, fidelíssimo, capaz de guardar o meu espólio e transportá-lo, seja para onde for, sempre que solicitado. http://brumasdesintra.blogspot.com e brumasdesintra.wordpress.com

sexta-feira, 11 de julho de 2008

MAGHNA BALANTA


...Catarina, sentia-se mais fresca depois de ter dormitado um pouco e tomado um duche. Preparou-se para conhecer Bolama, a divina, como lhe disse o capitão Valentim. Vestiu umas calças justas, claras, com estampado preto. Uma blusa de algodão, também preta, de manga curta, completava o conjunto que não podia ser mais simples mas realçava-lhe a elegância. Quando ia a sair vê o Maghna à porta do hotel, o que a deixou admirada.


-Maghna, boa tarde. Não é preciso estares à minha espera, vou só descer a rua e talvez vá ao cinema, não sei qual é o filme, mas não faz mal. Podes ir para o quartel. Eu fico bem.


Maghna disse que sim, mas antes de regressar tenta dizer algo a Catarina sem resultado. A jornalista não entendeu o que o segurança lhe queria transmitir. Foram necessárias muitas gesticulações para que algo se tornasse mais perceptível



-Não posso andar por debaixo das árvores sem olhar para cima por ser perigoso? Estranho! O que é que há nas árvores? Foi aí que Maghna procurou um pau e com ele desenhou na estrada de terra batida um pequeno e fino réptil.


-Não! Disse Catarina com visível receio. Confusa, decide ir ter com o senhor Patrício e pediu que lhe explicasse o que Maghna lhe queria dizer.


-Depois de o escutar, o proprietário do hotel disse a Catarina que o Magna lhe queria chamar a atenção para o facto de ser perigoso andar por debaixo das árvores porque, em Bolama, há uma cobra pequena, esverdeada, a cobra minuto, que se enrola nos ramos e se deixa cair sobre as cabeças de quem passa. Quando isso acontece é fatal, é mesmo só um minuto.


-Meu Deus, ainda bem que me avisa. Não vou andar nunca debaixo de árvores. Disse Catarina.


-Vai, e acaba por se habituar a olhar para cima. Acontece a todos, é uma realidade que entra no hábito. Desfrute Bolama, ela merece ser admirada, é uma pérola


Catarina não conseguiu que Maghna não a seguisse à distância (pensando que não estava a ser visto). Por isso, resolveu fingir que não o via -para não complicar a situação- e, normalmente, começou a descer a rua. O constante martelar nos caixotes era cadenciado, escutava-se este barulho em quase todas as casas de habitação. Reparou que havia algumas lojas que sendo pequenas tinham um pouco de muitas coisas. Andou pela zona que não tinha muitas árvores e se não podia deixar de passar por elas, olhava desajeitadamente para cima.


Nas suas deambulações descobriu o cinema de Bolama, uma espécie de barracão. Ficava do lado direito (quem estava virado para a ilha em frente), e ao fundo, no lado esquerdo, o belíssimo edifício da Casa Branca (sucursal de Bissau), no mais puro estilo colonial que o tempo foi degradando dolorosamente. Muitas foram as vezes que a jornalista nas suas varandas via chegar o entardecer que, na Guiné, era sempre deslumbrante.


A Casa Branca era um marco na Guiné e nas suas lojas apetecia fazer compras. Antes de entrar no pontão decidiu ir tomar uma cerveja na esplanada próxima. A sua entrada deu nas vistas pois era habitualmente frequentada por militares que ao verem uma mulher desconhecida e ainda por cima loura e elegante, os deixou agitados. Catarina limitou-se a dizer boa tarde, pedir uma cerveja, bebê-la enquanto admirava a paisagem luxuriante.


-Mas o que está a acontecer em Bolama que não me avisam? Pergunta, sussurrando, um militar sorridente e brincalhão ao companheiro do lado


-Fica calmo, não divagues. É jornalista está cá com a protecção das chefias e tem o Magna como guarda-costas. Queres mais?


-Ah! Quero sim, claro que quero. Duvidas?


Catarina, no pontão, olhou a ilha em frente, uma mancha verde e deliciou-se com a maravilha envolvente. Pela beleza do lugar, pela brisa que não sendo igual à do Luso, era agradável. Soube bem senti-la no rosto, no corpo, fustigados pela alta humidade, característica da Guiné. Atracada no lado esquerdo do pontão estava uma lancha negra dos Fuzileiros, pronta para qualquer emergência. Os Fuzileiros, ali, na ilha de Bolama, eram imprescindíveis. Catarina olhou em frente e fixou novamente a mancha verde, perdida no mar. Era a ilha de São João. Aí, alguns grupos de combate estacionados preparavam-se para a missão surpresa (não se sabia a localização do ataque), que seria acompanhada pela jornalista, segundo os planos previamente delineados.


Mais uma operação de intervenção. Outra situação perigosa, mas esse facto não a impressionou particularmente. O que na realidade sentiu em relação aos seus sentimentos foi uma espécie de angústia que nem a distância nem o perigo conseguiam disfarçar. Estaria certo, nas suas condições, ir para um local em conflito?


-Não, certo não é. Melhor, diria: normal não é, mas esta foi a vida que escolhi! Tenho de vivê-la e tenho de saber enfrentar as dificuldades e procurar resolvê-las da melhor forma. É o que faço!


Baixou a cabeça e olhou as águas calmas mas profundas frente ao pontão e perdeu-se nas dúvidas e nas interrogações. Calmamente decide regressar ao hotel para jantar. Fá-lo com passos lentos na terra morna de Bolama e o pensamento voa-lhe para o Luso. Todavia, luta contra isso. Faz esforço para combater as recordações. Quando se aproxima do hotel tem a grata surpresa de ver as mesas cheias e animadas por vários grupos que, embora à paisana, sabe que são oficiais. Reconheceu alguns que tinham estado no seu almoço com o comandante. Depois de os cumprimentar é convidada para um jantar de aniversário que decorria na sala grande do hotel. Aceitou com prazer, pediu apenas tempo para ir trocar de roupa.


Subiu ao quarto e passada uma meia hora desceu, elegante, no seu vestido branco-pérola. Como adereços apenas um colar de âmbar. Sentiu-se perfeita. A maioria dos presentes seguramente teve idêntica sensação quando a viu chegar. Numa enorme mesa festivamente decorada, onde estavam 26 homens e uma mulher, Catarina viu no topo o Maghna, devidamente fardado. Ao colo tinha um bebé gorducho e risonho que vestia com um macacão azul claro. Era ele o homenageado pois tratava-se da comemoração dos seus sete meses. O bebé olhava com admiração tudo o que o rodeava já que era uma situação nova que estava a viver e isso, por vezes, tornou-o desinquieto mas, Maghna, com paciência, soube como o tranquilizar.
Paulo tinha chegado com a mãe, mulher do capitão Barros, há menos de um mês a Bolama. O casal vivia no quartel e o Maghna era o empregado que lhe tinha sido atribuido pelo comandante .


Quando Catarina entrou no salão rapidamente a mãe do Paulo se levantou e convidou-a, gentilmente, a sentar-se na longa mesa dos convidados. Catarina aceitou com visível prazer e lamentou não saber que se tratava de um jantar de anos pois não tinha trazido nenhuma lembrança para o aniversariante. Aceitou a cadeira que Rita lhe indicava, olhou para o Maghna e cumprimentou-o com uma ligeira inclinação de cabeça. Ele retribuiu sobriamente a saudação, inclinando também a cabeça já que as mãos estavam ocupadas em segurar o pequeno Paulo. No decorrer do agradável jantar, onde não faltou arroz (este era um alimento presente em todas as refeições na Guiné) soube por Rita, que o Maghna tinha uma verdadeira adoração pelo filho e, apenas em quatro semanas, já tinha vivido situações incríveis.


-Uma noite estávamos cá fora sentados a conversar com uns amigos e a escutar o "Meia-Noite", programa do Armando Marques Ferreira, emitido pelo Rádio Clube Português (por vezes escuta-se com tal clareza que dá a sensação de Lisboa ficar ali, a metros de distância). Entretidos com o diálogo lembro-me de ir ao quarto ver como estava o Paulo. Dirigi-me ao berço (tinha-o trazido de Lisboa. Era de verga branco com um mosquiteiro azul clarinho) e, para meu espanto, vejo-o vazio. Foi a loucura total. Procurei-o por todos os lados possíveis, mas não o encontrei.


Senti verdadeiro pavor, já chorava e pensava o pior, porque em Bolama tudo me metia medo, ainda não estava ambientada. Por casualidade um dos nossos amigos vai à guarita que fica nas traseiras de casa e lá encontra o Maghna, sentado no seu posto, com a G-3 numa mão e o Paulo sentado no seu colo! De outra vez, venho à porta de casa ver como o Paulo estava no parque e encontrei-o vazio. Voltas e mais voltas, tudo à procura e ele, pasme, acabou por ser encontrado na caserna dos soldados na cama do Maghna, deitado calmamente a seu lado. É um empregado fantástico. Não é de muitas palavras, mas é impecável.



De manhã, antes de ir ao pão, vai buscar o Paulo. Senta-o no carrinho e atravessa (imperturbável) a parada que nessa altura, está cheia de instruendos quer nas formaturas quer nos exercícios. É já tão habitual que todos esperam pela passagem dos dois. Ele, o Maghna, imponente na sua figura de quase dois metros, e o Paulo, pequenino, no carro que, por falta de óleo, chia de uma forma desesperante. Tenho tantas aventuras, em quatro semanas, que não sei o que será quando o meu marido terminar aqui os dois anos de comissão, disse Rita sorrindo. Sei que ele está agora destacado como seu segurança. Pode confiar. Não é de muitas palavras, mas é leal.


O jantar foi agradabilíssimo, mas Catarina só esteve até à altura de se partir o bolo. O dia tinha sido esgotante e, apesar de parecer frágil convenceu-se que era fortíssima, esquecendo-se que o clima da Guiné tem o seu peso, não é fácil suportá-lo. Quando subiu para o quarto sentiu que a desconhecida Bolama tinha várias particularidades interessantes Cada passo era uma nova descoberta. Tinha pessoas agradáveis, dadas, que conhecendo-se há horas pareciam ser já amigos de longa data.


-A distância faz isso e é a ameaça do próprio perigo une as pessoas, disse para si própria. É um meio bonito, pequeno, diferente. Sente-se que estamos no centro de um vulcão que pode entrar em actividade a qualquer momento, mas enquanto isso não acontece, vive-se o melhor que se pode. Com intensidade e com gosto. Saboreia-se o facto de se estar vivo.


Catarina tomou um duche e deitou-se sobre a cama. O calor era intenso mas não tardou a adormecer. No dia seguinte, sentada confortavelmente no quarto, olhou a mobília de verga pintada de branco. Sentiu que essa tonalidade dava serenidade ao ambiente. O tecido do sofá e das almofadas, estampado suave em tons claros de verde, azul e rosa, tornavam o espaço acolhedor. Sentiu-se descontraída até ao momento de começar a pensar na operação que não deveria tardar a ser marcada e, sem saber bem porquê, sentia já umas borboletas no estômago.


Havia razão para esse nervoso antecipado. Com efeito, a operação realizar-se-ia, dois dias depois, na ilha do Como, onde participaram numerosos efectivos num total de 1300 homens, divididos em quatro agrupamentos. Foi uma operação de uma tremenda violência o que desencadeou em Catarina um vendaval de emoções. Tudo começou quando a lancha deixou o Atlântico e se abriu para as areias do Como…




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