"AQUI, RÁDIO ANDORRA"
Esta frase -Aqui, Rádio Andorra- preencheu muitas noites da minha meninice e dos meus medos. Ainda criança lembro-me (como se fosse hoje) de estar deitada entre o meu tio Francisco e a minha tia Rita (foram eles que me criaram), nas noites invernosas em Abrantes (a Cidade Florida) e escutarmos, baixinho, a Rádio Andorra. Era um ritual que se vivia naqueles tempos conturbados. Claro que não entendia nada do que ouvia mas, apesar da minha pouca idade, não me passava despercebida a atenção que os meus tios dedicavam ao que, então, era emitido. Recordo-me do meu tio me dizer, várias vezes: Se algum dia, quando fores grande, existir uma guerra, foge para Andorra. Eu olhava-o, sem dizer nada, abanava a cabeça em sinal afirmativo, e ficava de coração apertado.
A Rádio Andorra foi inaugurada a 7 de Agosto de 1939 (nasci em Setembro). Um mês depois suspende as emissões mas retoma-as em Abril de 1940. Depois de uma história de resistência que duraria 40 anos, acaba por encerrar definitivamente em Março de 1981. Eram 21 horas. Creio que as instalações, arquivos, foram destruídas totalmente por um violento incêndio. Confesso que nesta dinâmica do passar dos anos a frase que me martelava na cabeça Aqui, Rádio Andorra, foi-se diluindo e, reconheço, esqueci-a.
Todavia, há dias, ao navegar na Net vi uma notícia da BBC que me fez estremecer. Dizia assim: Por que é que em Andorra se vive mais tempo? Andorra! Foi como se um sino acordasse o meu arquivo cerebral e, de imediato, regressasse às noites vividas em surdina ao lado dos meus tios (já falecidos) e a voz feminina, doce e calma, voltasse a segredar Aqui, Rádio Andorra. Tocou-me a nostalgia, a saudade. Chorei. E quando serenei fui descobrir o mistério de Andorra, a terra para onde há décadas o meu tio me dizia, foge para Andorra se aparecer uma guerra.
Na beleza imponente dos Pirenéus, na fronteira com França, encontra-se o Principado de Andorra que, ficou-se a saber, é, presentemente, no mundo, o lugar com maior esperança de vida (pensava que era uma ilha chinesa povoada por centenários), graças a uma mistura muito saudável que acontece no alto daquelas montanhas brancas ou verdes, conforme a época do ano, ou no vale florido e soalheiro. Ali, trabalha-se muito, todos têm uma vida activa até muito tarde. E há uma estrutura social envolvente de extrema importância que começa no exercício físico. Andorra tem sete centros desportivos públicos (gratuitos e com transporte) além de outros privados, onde homens e mulheres de idades avançadas povoam animadamente as piscinas executando exercícios.
Uma alimentação à base de carne magra, fruta fresca, vegetais, azeite, vinho tinto, coisas boas para o coração (a típica dieta mediterrânea). Em Andorra come-se de uma forma equilibrada e saudável. Ali vigora o terceiro melhor sistema de saúde pública do mundo, segundo a OMS. Tudo isso aliado a uma excelente qualidade do ar. Se o rigor do Inverno não deixa ir às montanhas, trata-se dos jardins. No Principado, o nível de criminalidade é quase inexistente, há 50 presos na cadeia. Vive-se um clima de paz permanente, bem-estar, tranquilidade. Sete séculos de história sem guerras são um factor psicológico de extrema importância. Talvez o meu tio Francisco, nos tempos de guerra, conhecesse já esta serenidade de Andorra. Talvez!
(Hermann Hesse)
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