AS PALMAS EM NEUCHÂTEL
Após um inesperado colapso da minha televisão (uma preciosa Sony que me acompanhou anos com uma qualidade de imagem absolutamente surpreendente) há dias, sabe-se lá porquê, decidiu (num ápice) ficar sem cor, sem som, sem vida, deixando-me num trapézio sem rede, pela inesperada sensação de vazio com que me deparei. No entanto, acabei por reconfirmar uma certeza: sem televisão, passo sem grandes amarguras. Sem rádio, nunca!
Contra factos não há argumentos e no recanto televisivo da sala palpita já uma outra. Fininha, moderna, contrastando com a minha amiga colorida, enorme, pesada, que partilhou comigo serões e serões das nossas existências. Fim de chateação. Tenho novamente o mundo no canto da sala, perto da janela debruçada sobre o Universo, a trazer-me o palpitar da vida mundial que, num segundo, me entra em casa. Para o bem e para o mal. Por vezes sinto não ter ombros para aguentar as realidades diárias que assolam pessoas (800 milhões passam fome) e países, com as quais (mesmo sem querer) compartilho aflições, medos e, de quando em vez, alegrias e maravilhas.
O curioso é que a fininha, trazida pelos mesmos braços que me trouxeram a Sony (és um querido, Pedro), chegou no dia da partida da nossa selecção para a Suíça e a primeira imagem que vejo é, precisamente, o momento em que os nossos jogadores e toda a comitiva eram recebidos, em Belém, pelo Presidente da República. Não sei, no âmago das suas emoções, quem estaria mais feliz. Se Aníbal Cavaco Silva, ao lado do grupo luso. Se a selecção junto do Presidente. Gostei de os ver em Belém. O País precisa de aprender a estimular (em vida e ainda bem lúcidos …), premiar, incentivar, aqueles que, neste ou naquele sector, se notabilizam.
De Belém, acompanho o percurso que levou o autocarro movido a energia positiva (a Galp pode ter a gasolina cara e praticar aumentos que nos fazem cabelos brancos, mas tem um anúncio neste Euro 2008, a merecer nota 10) ao aeroporto da Portela. Daí, a Genebra e conhecendo como conheço a Suíça (vivi em Vevey e trabalhei em Clarens), dei comigo de olhos abertos e admirada. Porquê? É que a polícia helvética não morre de amores por multidões (mais de 3 pessoas já é uma imensidão…). A palavra de ordem é: disciplina, organização e segurança. Ao ver os exuberantes portugueses, de coração a explodir de orgulho e alegria pensei que eles, os polícias, eram capazes de não ficar muito tranquilos com a situação.
Tudo correu bem de Genebra a Neuchâtel (um verdadeiro postal ilustrado) mas quando vi no ecrã, aqueles milhares de compatriotas (mais de dez mil) atrás das grades de segurança, alguns desde as 11 horas da manhã, a prepararem-se para ver as centenas de motards a escoltarem o autocarro português (eram 21h.50), pensei para comigo:
-Vai ser o bom e o bonito. Eles vão saltar as grades. Vai ser um sururu. E, confesso, testemunhei os acontecimentos que, felizmente, se vieram a revelar civilizadíssimos.
É preciso dizer que os portugueses emigrados na Suíça, presentes em Neuchâtel, foram magníficos. Foram uns senhores! Souberam respeitar a determinação helvética sem amordaçar o empolgamento que lhes enchia a alma. Eles estavam ali pela selecção. Sem dúvida mas, primeiro, estavam por Portugal! Só quem já foi emigrante consegue entender esta saudade lusitana. A maneira como se comportaram foi uma lição que me tocou profundamente e quase fiquei de lágrimas nos olhos quando a polícia suíça se virou para a multidão e lhe bateu palmas querendo, assim, premiar a forma ordeira como os portugueses se portaram perante tanta emotividade. Eles ficaram rendidos à disciplina que, verdade seja dita, nem sempre está no nosso sangue latino.
Fiquei orgulhosa. Sinceramente não sei o que acontecerá quando Portugal comemorar a sua primeira vitória. Vai ser difícil controlar o entusiasmo destes portugueses em delírio, radiantes, vivendo uma odisseia, libertando a energia dos temerários. É bom que Portugal tenha vitórias e será excelente se os nossos emigrantes continuarem a manifestar-se pela positiva.
Em Lisboa, em vários programas, ouvi nomes sonantes, entre eles António Pedro Vasconcelos, classificarem estas manifestações como deprimentes e, por entre risos, teceram análises no bom estilo nacional. Há, ou parece haver, um prazer quase mórbido em acinzentar. Tudo! Não se aperceberam do entusiasmo daqueles emigrantes! Eles estavam lá por Portugal e a selecção é uma parte dele. Vai ser difícil ganhar o Euro, é verdade. Mas não nos fica mal ter esperança e partilhá-la com os nossos jogadores.
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