UM STRADIVARIUS NO METRO
Embora a manhã já tenha passado e nos aproximemos das 17 horas, a tarde contínua idêntica : um manto cerrado de neblina que nos oculta o lado de lá da estrada ou da rua, apenas nos deixa ver os contornos ondulantes das folhas persistentes que não sucumbem aos rigores do frio, à cadência da chuva e, por, vezes à violência do vento que, zangado, assobia para que o escutem bem e se recordem do que ele, em momentos de fúria é capaz de fazer. Não é o caso neste momento. Um silêncio profundo, não agressivo, envolve num abraço quase sensual este retrato de Sintra feito de brumas, de movimentos difusos e de mistérios.
Não adianta procurar pela Serra ou pelo Castelo do Monte da Lua. À nossa volta somente as nuvens caídas nos escondem visões e , simultaneamente, abrem-nos portas para o maravilhoso desconhecido. Esta é uma tarde certa para um banho quente, com pétalas de chá, ou, se puder, entre no banho turco e deixe que as sensações tomem conta de si. Não há local melhor para conseguir libertar o espírito e voar pelos espaços da sua imaginação. Agora, é o momento certo para descontrair.
Recebi há pouco um e-mail amigo que embora tenha dele uma vaga recordação -creio que já o vi há bastante tempo- soube-me bem voltar a estar em contacto com a situação. É a seguinte: um homem desce na estação de metro de NY vestindo jeans, t-shirt e boné. Encosta-se próximo à entrada, tira o violino da caixa e começa a tocar (com entusiasmo) para a multidão que passa por ali, na hora de grande movimento matinal. Durante os 45 minutos que tocou, foi praticamente ignorado pelos transeuntes, ninguém sabia, mas o músico era Joshua Bell, um dos maiores violinistas do mundo, executando peças musicais consagradas num instrumento raríssimo, um Stradivarius de 1713, estimado em mais de 3 milhões de dólares. Alguns dias antes Bell tinha tocado no Symphony Hall de Boston, onde os melhores lugares custam a bagatela de 1000 dólares.
A experiência, gravada em vídeo, mostra homens e mulheres andando rapidamente, copo de café na mão, telemóvel ao ouvido, crachá balançando no pescoço, indiferentes ao som do violino. A iniciativa realizada pelo jornal The Washington Post era a de lançar um debate sobre valor, contexto e arte. Conclusão: estamos acostumados a dar valor às coisas quando estão num contexto e Bell era uma obra de arte sem moldura. Um artefacto de luxo sem etiqueta de glamour. Somente uma mulher reconheceu a música, o virtuosismo da interpretação e, chegando-se perto dele, demonstrou-lhe a sua admiração e agradecimento pelos momentos de pura arte, vividos na estação de metro, onde largas centenas de pessoas não tiveram tempo para parar, escutando a inegável preciosidade harmoniosa dos sons.
O vídeo do metro está no You Tube:
http://www.youtube.com/watch?v=hnOPu0_YWhw
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(autor desconhecido)
2 Comentários:
Na época em que vivemos, o papel de embrulho é sempre mais importante que o conteúdo. Se os 45 minutos de concerto eram gratuito, como poderiam saber as centenas de pessoas que inadvertidamente o ouviram o seu verdadeiro valor? Toda a sua cultura está virada para a aparência (o bilhete caro). Por isso mandam lavar o carro por fora para que todos vejam que são cuidadosos, limpos, equecendo quase sempre de mandar fazer o memo ao interior, onde vivem grande parte do tempo...
Estou totalmente de acordo. A superficialidade grassa e quase agride quem luta por se manter sóbrio na sua escala de valores que deseja aperfeiçoar. A vida está uma girândola...
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