Brumas de Sintra

Ponto de encontro entre a fantasia e a realidade. Alinhar de pensamentos e evocação de factos que povoam a imaginação ou a memória. Divagações nos momentos calmos e silenciosos que ajudam à concentração, no balanço dos dias que se partilham através da janela que, entretanto, se abriu para a lonjura das grandes distâncias. Sem fronteiras, nem limites

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O meu nome é Maria Elvira Bento. Gosto de olhar para o meu computador e reconhecer nele um excelente ouvinte. Simultaneamente, fidelíssimo, capaz de guardar o meu espólio e transportá-lo, seja para onde for, sempre que solicitado. http://brumasdesintra.blogspot.com e brumasdesintra.wordpress.com

quarta-feira, 16 de julho de 2008

O CASTELO ENCANTADO QUE FLUTUA NO TEJO


A primeira vez que o vi, fiquei de olhos muito abertos quase sem respirar, olhando-o pela janela meio embaciada do comboio que tinha partido do Rossio ao Sul do Tejo rumo a Lisboa, depois de ter parado na ponte Corta Cabeças (muitas ficaram lá). Tinha eu nove anos e depressa esqueci o pavor que essa paragem me fazia (o revisor gritava fortemente para que ninguém se debruçasse, a ponte estava ao nível do comboio e, este, não poupava aproximações...). De olhar fixo não deixava de me deslumbrar com aquela maravilha que apareceu, sem avisar. Ali, flutuando no Tejo, estava um castelo igual ao das minhas histórias infantis, povoadas de príncipes e princesas, cavaleiros e rainhas: o Castelo de Almourol! Enquanto deu para o ver não deixei de o fazer e só quando o comboio descreveu uma curva apertada a minha descoberta desapareceu. Eu é que nunca mais me libertei daquele encantamento. Até hoje.


Por viver em Abrantes (a cidade florida) e ir frequentemente a Lisboa com os meus tios (Francisco e Rita, que me criaram desde os três anos), o castelo passou a fazer parte dos meus renováveis deslumbramentos. Quanto mais o via mais me deliciava olhá-lo no meio do Tejo, numa ilha pequenina (310 metros por 75m de largura) desafiando-me a imaginação. Os anos passaram rapidamente e já adulta, na concretização de uma reportagem para a revista Mais, cujo director era o Carlos Cruz, desloquei-me com o saudoso Carlos Gil, um excepcional repórter fotográfico, ao castelo da minha meninice. Já o tinha visto o castelo de todas as maneiras: resplandecente ao Sol, fustigado por uma tempestade terrível, envolto em densa neblina, brilhando à chuva, mas nunca tinha tido o privilégio de chegar perto dele, tocar-lhe, subir as escadas e, lá de cima, olhar para o serpenteado da linha do comboio, para o verdejante das margens, para o reflexo do Tejo que rodeava o meu palácio.


Foi de barco que atravessamos a pouca distância (naquelas águas ao longo dos anos, enquanto vivia em Abrantes, soube de muitos jovens militares, pertencentes à base de Tancos e destacamento de engenharia, que perderam a vida quando ali nadavam) que separava as margens. Quando o barco atracou e pisei as rochas da ilha iniciei um processo de fascinação que aumentava de degrau em degrau. Como ia de saltos altos tirei-os e fiz o percurso do meu contentamento com meias de seda. Quando regressei ao barco vi que estava descalça e ferida; os pés das meias, tinham desaparecido! Volatilizaram-se! Tinha acabado de viver por dentro um sonho de 18 metros de altura vindo das auroras romanas e ocupado (no século III) por Alanos,Visigodos e Muçulmanos, estes a partir do século VIII. Almourol foi conquistado em 1129 por D. Afonso Henriques. O soberano entregou-o aos cavaleiros da Ordem dos Templários, então encarregados do povoamento do território entre o rio Mondego e o Tejo, e da defesa da então capital de Portugal, Coimbra. No século XX, foi classificado como Monumento Nacional.


A história deste castelo medieval é vasta e riquíssima em pormenor e as suas muitas lendas dão-lhe uma envolvência misteriosa e romântica. Por exemplo, a do terrível D. Ramiro e da sua filha Beatriz que se apaixonou pelo jovem mouro, cuja mãe e irmã foram assassinadas pelo pai, o violento fidalgo guerreiro. O amor dos jovens não foi por ele aceite e estes decidiram desaparecer. Ainda hoje se diz que, nas noites de São João, se olharmos para o alto da Torre de Menagem, aparece a imagem do eternamente jovem casal apaixonado, abraçado. E, a seus pés: D. Ramiro.


Também há quem garanta que nas noites de Lua Cheia se vê um corpo esguio, envolto em tecido branco e luminoso esvoaçando em torno do castelo. Em fundo, vozes cristalinas e, por vezes, uns sons que parecem harpas enchem de magia o espaço. Porém, diz-se que, por vezes, esses cantos são substituídos por sons de um choro sofrido. E, os mais antigos da região guardam na memória as noites em que, extasiados, viam cair do céu pérolas e flores que em contacto com o Tejo faziam largos círculos na água. Sonho? Realidade? Ilusão? Não há (penso) que rotular aquilo que nos transcende. Almourol estará sempre ligado aos Templários e tantas são as histórias de tesouros, bibliotecas, manuscritos preciosos, Cálices Sagrados, segredos, que palpitam, fascinam e desafiam. Visitar o castelo é percorrer o caminho da procura e da intemporalidade.


Almourol, continua ali, tal como o vi pela primeira vez quando tinha nove anos. Elegante, altivo, distante e próximo, abrindo-nos as brumas dos tempos passados e deixando-nos percorrer os grandes túneis escapatórios que têm as dimensões das nossas imaginações. Pelas escadarias, podemos sentir os passos delicados de damas gentis ou o pisar forte de guerreiros. É tudo uma questão de chamamento, concentração, poder e energia. Ah! E também de paixão. Passei anos a investir nela e, ainda hoje, quando olho a minha ilha de paz, Almourol, sei que no meu coração palpita uma rosa. É um milagre e é um mistério, ligado à minha fonte universal...



A beleza de qualquer classe em sua manifestação suprema excita inevitavelmente a alma sensitiva até fazer-lhe derramar lágrimas

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