UMA VIDA INTERESSANTE É TER TEMPO PARA FAZER NADA! PARA FAZER TUDO!
Marta Medeiros é escritora e jornalista no jornal Globo (Brasil). Também é a autora do texto da peça e do filme Divã é Dela. Marta escreveu, recentemente, um texto precioso -Miss Imperfeita- e pede para ser enviado a todas as mulheres maravilhosas que trabalham, que batalham e que lutam para serem felizes. É com o maior prazer que ajudo a movimentar esta imensa cadeia globalizada que é a Internet, e que com um suave toque de dedos no teclado envia para todos o cantos do Globo a mensagem que se quer transmitir. Esta foi feita para ser lida. Façam-no e, obrigada, Marta
Eu não sirvo de exemplo para nada, mas, se você quer saber se isso é possível, ofereço-me como piloto de testes. Sou a Miss Imperfeita, muito prazer. A imperfeita que faz tudo o que precisa fazer, como boa profissional, mãe, filha e mulher que também sou: trabalho todos os dias, ganho a minha grana (dinheiro), vou ao supermercado, decido o cardápio das refeições, cuido dos filhos, telefono sempre para a minha mãe, procuro as minhas amigas, namoro, viajo, vou ao cinema, pago as minhas contas, respondo a toneladas de e-mails; faço revisões no dentista, mamografia, caminho meia hora diariamente, compro flores para casa, providencio os consertos domésticos e, ainda, faço as unhas e depilação! E, entre uma coisa e outra, leio livros. Portanto, sou ocupada, mas não uma workholic. Por mais disciplinada e responsável que eu seja, aprendi duas coisinhas que operam milagres.
Primeiro: a dizer não. Segundo: a não sentir um pingo de culpa por dizer não. Existe a Coca Zero, o Fome Zero, o Recruta Zero. Pois inclua na sua lista a Culpa Zero. Quando nasceu, nenhum profeta entrou na sala da maternidade e lhe apontou o dedo dizendo que a partir daquele momento você seria modelo para os outros. O seu pai e a sua mãe, acredite, não tiveram essa expectativa: tudo o que desejaram é que não chorasse muito durante as madrugadas e mamasse direitinho. Você não é Nossa Senhora. Você é, humildemente, uma mulher. E, se não aprender a delegar, a priorizar e a divertir-se, bye-bye vida interessante. Porque vida interessante não é ter a agenda cheia, não é ser sempre politicamente correcta, não é topar qualquer projecto por dinheiro, não é atender a todos e criar para si a falsa impressão de ser indispensável. É ter tempo! Tempo para fazer nada. Tempo para fazer tudo.
Tempo para dançar sozinha na sala. Tempo para bisbilhotar uma loja de discos. Tempo para sumir dois dias com o seu amor. Três dias... Cinco dias! Tempo para uma massagem. Tempo para ver a novela. Tempo para receber aquela sua amiga que é consultora de produtos de beleza. Tempo para fazer um trabalho voluntário. Tempo para procurar um abajur novo para o seu quarto. Tempo para conhecer outras pessoas. Voltar a estudar. Tempo para escrever um livro que nem sabe se um dia será editado. Tempo, principalmente, para descobrir que pode ser perfeitamente organizada e profissional sem deixar de existir. Porque nossa existência não é contabilizada por um relógio de ponto ou pela quantidade de memorandos virtuais que entopem a nossa caixa postal. Existir, a que será que se destina? Destina-se a ter o tempo a favor, e não contra. A mulher moderna anda muito antiga. Acredita que, se não for super, se não for mega, se não for uma executiva de topo, não será bem avaliada. Está tentando provar não-sei-o-quê para não-sei-quem. Precisa respeitar o mosaico de si mesma, privilegiar cada pedacinho de si. Se o trabalho é um pedação de sua vida, óptimo!
Nada é mais elegante, charmoso e inteligente do que ser independente. Mulher que se sustenta fica muito mais sexy e muito mais livre para ir e vir. Desde que lembre de separar alguns bons momentos da semana para usufruir essa independência, senão é escravidão, a mesma que nos mantinha enclausuradas em casa, espiando a vida pela janela. Desacelerar tem um custo. Talvez seja preciso esquecer a bolsa Prada, o hotel decorado pelo Philippe Starck e o batom da M.A.C. Mas, se você precisa vender a alma ao diabo para ter tudo isso, francamente, está a precisar de rever os seus valores. E descobrir que uma bolsa de palha, uma pousada, rústica, à beira-mar e o rosto lavado (ok, esqueça o rosto lavado) podem ser prazeres cinco estrelas e dar-nos uma nova perspectiva sobre o que é, afinal, uma vida interessante.
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A paz vem de dentro de ti próprio, não a procures à tua volta
(Buda)
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