Brumas de Sintra

Ponto de encontro entre a fantasia e a realidade. Alinhar de pensamentos e evocação de factos que povoam a imaginação ou a memória. Divagações nos momentos calmos e silenciosos que ajudam à concentração, no balanço dos dias que se partilham através da janela que, entretanto, se abriu para a lonjura das grandes distâncias. Sem fronteiras, nem limites

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Localização: Portugal

O meu nome é Maria Elvira Bento. Gosto de olhar para o meu computador e reconhecer nele um excelente ouvinte. Simultaneamente, fidelíssimo, capaz de guardar o meu espólio e transportá-lo, seja para onde for, sempre que solicitado. http://brumasdesintra.blogspot.com e brumasdesintra.wordpress.com

segunda-feira, 27 de julho de 2009

A TEU LADO AS COISAS ERAM POSSÍVEIS


Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.
(E.A)

É urgente inventar a alegria, multiplicar os beijos, as searas, é urgente descobrir rosas e rios e manhãs claras
(Eugénio de Andrade)

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quinta-feira, 23 de julho de 2009

AINDA PODEMOS VOLTAR A IMPRESSIONAR O CHICO E AINDA PODEMOS VIR A SER UM IMENSO PORTUGAL...




A primeira condição para (ainda) nos virmos a tornar num imenso Portugal, como disse o poeta-cantor Chico, lá do outro lado do Atlântico (obrigado Chico por nos dedicares esse respeito e apelares à nossa dignidade ancestral com essa canção do tamanho e com a profundidade do Atlântico) será, digo eu, a de sermos hoje pequeninos. Não dessa pequenez de medir aos palmos até porque essa não conta, mas da pequenez-mental-colectiva-que-nos-limita-só-às-acções-imediatistas. Com menos traços bastava eu ter-nos chamado de buçais e mesquinhos e, ao chamar-nos este tanto que não se interprete que possa existir menos identificação com a Raça, menos fidelidade à Nação, menos empatia com a História, menos orgulho pelo que de bom temos também atingido. Nisto, há apenas a vontade de alertar e de reagir; de provocar a maré colectiva que haverá algum dia de começar a fazer a diferença para melhor. A ver se (ainda) vamos a tempo de receber menos críticas dos nossos filhos e netos (e se recebermos pelo menos poderemos, nessa altura, concluir que os deveremos ter feito e formado quanto mais não seja, um nada melhor do que nós, como cidadãos e como Portugueses. Reste-nos essa perspectiva de conforto piedoso para connosco).


Alguma dia se verá a diferença mas, para já, parece-me que continuaremos a ser só (salvo as excepções que não confirmam a tal) apenas colectivamente buçais e mesquinhos e, permita-se a ironia -para ir aliviando a prosa-, assim pequenos, pelo menos há a boa notícia de já cumprirmos essa primeira condição que, um dia, nos tornará mesmo nesse imenso Portugal com que retribuiremos - ou não se chame este nosso aqui de "Portugal" - ao Chico os seus desejos de então; talvez ele, na altura afectado de fascínio, por andarmos nós aqui deste lado ainda ébrios de Abril, como se nunca tivesse havido outro antes assim que, por acaso, até nem tinha! E vem a propósito termos lembrado esse Abril porque foi a última grande vontade colectiva que tivemos como Portugueses, provocada por alguns capitães e adoptada, de imediato, por todo o Povo que queria lá saber se eram milicianos ou do quadro. Queriam era ficar com a Liberdade que lhes apareceu, em flores, pelas ruas.


Durou alguns meses essa vontade mais feita de euforia oferecida do que de espírito para empreender, vá lá ano e meio de energia e afirmação em colectivo mas, entretanto, foi-se esbatendo ao longo destes últimos 30 e vários anos, ao ponto de estarmos agora no ponto em que estamos: sem soluções estruturais para a nossa Lusa sociedade; sem sentido de Estado nem vontade expressa pela Nação; sem modelo de desenvolvimento a longo prazo; sem o nosso dinheiro nem o dos nossos filhos e netos, depois de já termos -também- gasto o dos nossos pais e avós, sem rumo ideológico objectivo, mas sobretudo, sem reagirmos!


Acho que foi algo do género que também, entretanto, constatou o nosso melhor Primeiro-ministro de há muito tempo a esta parte ao dizer o que não devia de ter dito com o lapidar: ainda está para nascer... Até pode ser verdade embora estatisticamente ele não o prove e, talvez, se prove mesmo o contrário. Por isso, não o devia ter dito. Até porque se justificaria sempre melhor constatar-se que, entretanto, de há meses a esta parte ele tem estado a suportar amargamente a conjunção da pior crise mundial (que até a Portugal chegou, vá-se lá admitir este incrível ) dos últimos 60 anos, com a enorme pressão que é sempre o fim de uma Legislatura em maioria absoluta que, muito provavelmente, já não vai ser mais (o preço vai ser caro para nós). Pressão essa entretanto temperada por episódios desgastantes aqui e ali que não são tão graves isoladamente mas, em conjunto acumulado, desgastam, sim. O episódio bem francês do jamais... ou o outro mui português da saudação tauromáquica, em pleno Hemiciclo..., com tantos outros momentos de desgaste pelo meio, menos mediáticos e de facto, esses sim, graves: desde corrupção por provar, a Provedor por empossar, reavaliações por redefinir ao que, sendo assim, são reprofessores (professores reprovados à partida) e um sem fim de outras constatações de má nata política, a cobrir todo um leite povo de mau beber que nem a vaca sagrada e mítica da Lusitanidade que o terá vertido, o conseguirá (por agora) cheirar.


A análise acima, embora diagonal e criativa, só pode estar correcta porque, entretanto, constata-se que até a Oposição (só pode ser a pior de há muito tempo a esta parte para se ter oposto ao melhor Primeiro de há muito tempo a esta parte e ainda existir como Oposição para contar como foi, depois das próximas eleições em que, provavelmente, será chumbada e só lhe restará formar o Governo que nem quer, embora não o admita - vejam só como está o nosso Portugal). Está mesmo certa a análise e é uma excelente diagonal sobre a situação do nosso País porque nos leva, agora, neste parágrafo, facilmente a identificarmo-nos com a constatação de que algo de bom deve ter feito o nosso melhor Primeiro de há anos a esta parte para estarmos este ano na situação em que estávamos há quatro anos (dívida, desenvolvimento, reformas, etc), o que só significa que apanhámos o embate da maior crise mundial de há muitos anos (ainda nem o Primeiro-ministro tinha nascido) e, entretanto, crescemos aqui e ali em alguns (muitos) sucessos e actos de coragem governativos e, perdemos tudo com a crise; mas, se calhar, vamos passar por ela e, pelo menos, ficamos mesmo praticamente com estávamos, do tipo: veio uma onda gigante e nós conseguimos manter-nos à tona para agora a vermos afastar enquanto continuamos, pelo menos, felizes por boiar!


Apáticos e inconscientes, sem dignidade nem fibra para começarmos a nadar em conjunto, também. E é neste boiar catatónico que temos, entretanto, estado a assistir e a admitir o que agora já vão sendo vários insucessos e compromissos mal explicados, em torno deste nosso melhor de há tantos anos a esta parte e a assistir, simultâneamente, à imensa Oposição, inconsequente e mesquinha (pelo menos é feita na linguagem que resolvemos nós, Povo, admitir) que visa praticamente só o que é pessoal, o que é episódico e o que é controverso, mesmo que não se prove e não defenda publicamente uma única acção com dimensão e sentido de Estado. Permitimos-lhes, todos nós, que não se comprometam com programas, que defendam visão a longo prazo e com compromissos que sejam responsabilizáveis e imputáveis sob o risco nobre de errar mas, ter tentado e voltar a insistir, se tal for preciso, até ajudar a recuperar o caminho que objectiva e incontestavelmente este nosso melhor de há tantos a esta parte conseguiu, de facto iniciar, cativando-nos na altura no processo, ao ponto de ainda há menos de um ano até os impostos pagávamos com alguma satisfação, por estarmos a fazer parte de uma justiça colectiva, como se tal possa ser possível, mas foi ! Até prémio ao Senhor Director das Finanças da altura demos e não há registo de ninguém ter contestado veementemente !!!


Entretanto, há uns dias, longe desta nossa realidade, constatou-se que os Chineses, espertos e oportunos mas, sobretudo, sempre muito conscientes do poder dos desafios em colectivo, além de estarem já a sair da crise (não fazem mais do que a sua obrigação, dado o contexto para este século) já começam a deixar passar (com subtileza sedosa) o termo Chaiwan, para nos preparar para uma aliança económica entre a China e Taiwan, optando por deixar cair, mais do que apenas um mero Muro de Berlim, deixar cair toda a Muralha da China se preciso for, para criar o bem comum possível da fortaleza ideológica de um país, dois sistemas (a actualizar para dois países, dois sistemas - uma estratégia), revelando que sentido de Estado de enorme coragem e efeitos a três ou mais gerações, não é uma vontade inventada neste artigo, por muito que a esta altura do texto não se acredite. Existe e há quem a esteja a praticar ! A nós, que mais nada nos resta senão optarmos colectivamente por um extraordinário e imenso sentido de Estado, nem nos lembra (sequer) obrigar a que se publiquem os próximos programas políticos para defesa das próximas estratégias governativas que têm que estar a ser executadas já daqui a poucas jornadas do actual campeonato de futebol (a ver se a noção de urgência passa, recorrendo a esta linguagem mais desportiva).


A coisa está de tal forma que este nosso melhor quase que de sempre a esta parte, está prestes mas é a ser fortemente penalizado, injustamente, pelo que não fez mas, justamente, pelo qualquer coisa do que terá alegadamente também feito e ser remetido pelos seus aliados e opositores ao total exílio político e ao maior esquecimento dos próximos anos, criando-se um vazio para onde cairá, aos trambolhões, uma Oposição colada à Esquerda e à Direita, com todos em corrida para chegar primeiro à linha de Governo ao Centro. Não nos foram propostas até hoje mais do que apenas algumas linhas publicitárias do tal programa de Governo com sentido de Estado, entretanto herdando também, de facto, o que será certamente uma muito má situação económica, financeira, social e outras porque a crise descobriu mesmo Portugal com mais pujança do que este descobriu o mundo, como nem os Lusíadas saberiam descrever em mil Bojadores e porque nós, desde a euforia daquele Abril, que tanto terá fascinado o Chico, nunca mais soubemos consolidar e desenvolver, só nos tendo safado, entretanto, o facto de mandar já a UE mais em nós do que nós próprios, até ao dia em que mandará até nos intervencionar.


Se o nosso melhor de há tantos a esta parte nem sequer viesse (hipoteticamente) a ser responsabilizado pelo que, entretanto, fez e não fez, perdeu a oportunidade de fazer e não deixou fazer ou comprometeu-se a não fazer por obrigações que quando, e se descobertas, não vão ser aprovadas, podendo até ser fortemente penalizadas por todos nós e estivesse então ele (ainda) em condições para nos dedicar mais um acto de coragem e arrogância, umbigo absoluto e ambição, então eu sugeria que, como aquela Autarca de incomensurável coragem (temperada talvez por ingenuidade idealizada), nos propusesse ele a todos nós, um programa para o seu próximo Governo, o registasse em Notário, submetendo-se ao futuro julgamento em barra por parte de todo o Portugal, por todos os próximos insucessos e incumprimentos e, aí, sim, não nos pedisse menos do que a nova maioria absoluta.


Pedir não, aí seria ordenar como só ele já nos provou que sabe. Até lhe concedíamos amnistia por todo o passado até ao início do próximo Governo, não vá haver mesmo algo por aí, alegadamente, mal pendurado numa das duas balanças da Justiça. E, aí, tão certo como ele daqui a cinco anos estar aflito a defender-se de todos nós em tribunal, veria agora, aposto, retribuida esta sua coragem sem dimensão com a nova maioria absoluta por mais incrível que este rebuscado final possa parecer, ou não seja isto Portugal.


A não ser que a Oposição pegue nesta mesma ideia e se adiante ao nosso actual melhor de há tantos a esta parte e vá, antes dele, ao notário, depositar um mesmo sério e completo programa de Governo com sentido de Estado. Aí, ou não seja isto Portugal, aderiremos com a mesma força porque veremos coragem no assumir do enorme risco que é governar-nos. E, aí, voltaríamos (certamente) a impressionar o Chico e ele dedicava-nos uma nova canção. Daquelas de fazer o nosso orgulho destilar em lágrimas incontidas.



PS - A alternância e os Partidos parecem já não ser a solução para nós que não temos conseguido manter uma única linha estratégica de desenvolvimento, uma única que seja, de uma Legislatura para a próxima, levando a algo pior do que não ter estratégia de desenvolvimento que é o estar sempre a mudá-la e, a cada nova versão, aplicá-la só em metade de cada Legislatura, reservando, invariavelmente, as inaugurações para o final de cada quatro anos. Talvez viesse a calhar instituirmos uma Fundação para o Desenvolvimento do Estado Português, sem fins lucrativos, mas com quadros independentes politicamente muito bem remunerados, seleccionados de vários sectores profissionais necessários, sob a liderança de apenas alguns políticos de primeira linha dos vários quadrantes representativos, de forma a que a acção executiva fosse assegurada. Sobretudo, por profissionais de uma carreira governamental a longo prazo e com ascensão programada, em função de objectivos e desempenhos cumpridos, deixando que os verdadeiros valores políticos das nossas opções tivessem nesses agentes, o papel qualitativo da supervisão das linhas de desenvolvimento nacional adoptadas. É claro que estaríamos a reduzir a população política actual a menos de um terço, teríamos que pagar, pelo menos, três vezes mais aos que ficavam (pouparíamos ainda uma enormidade nem que fossem salários seis vezes mais altos), passaríamos a ser mais geridos e mais liderados, num modelo de Governo que se não for antecipado só acontecerá em Portugal lá para o fim do século, embora existam já versões bem experimentadas numa Suíça ou numa Singapura, menos mas quase, numa Noruega ou numa Malásia.


Essa dita Fundação seria suportada pela única maioria absoluta que interessa, de facto, e que é a da maioria dos cidadãos assumirem o seu papel de direito interventor ao nível das instituições que existem e as que tenham que ser criadas para sancionar as acções de Governo, de forma contínua ao longo da sua vida útil, demonstrando consciência nacional e vigilância, empenho sério -por via do trabalho e da competência. Parece utópico mas todos os exemplos que se dão acima são de nações que fizeram estas opções de uma revolução interna imensa, a partir de regimes que eram inexistentes ou imensamente desordenados ou irremediavelmente decadentes e, no espaço de uma ou duas gerações, já estavam completamente diferentes. Infelizmente, cada vez mais estamos a preencher todos estes requisitos iniciais. Felizmente, temos exemplos de já ter tido tempos em que estivemos tão mal ou pior e menos preparados ainda e, ainda, aqui estamos!



Semeia um pensamento e colherás um desejo; semeia um desejo e colherás a acção; semeia a acção e colherás um hábito; semeia o hábito e colherás o carácter
(Tihamer Toth)



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terça-feira, 21 de julho de 2009

A NOITE DE FIM DE ANO EM BOLAMA


Era a última noite de 1963. Uma noite sem fim, em Bolama (Guiné). Uma noite purificada, esculpida na fantasia inocente de quem gosta de se aconchegar na harmonia da alma. Sentia a serena sensação do entusiasmo e, por isso, ao deixar cair sobre a pele o vestido de cetim vermelho era o reflexo da beleza. Cingido ao corpo, modelava-o e, sem o mínimo embaraço, senti-me radiante, luminosa, belíssima. Quase flutuava no espaço tal era a leveza do encanto. A noite, no hotel do sr. Patrício, prometia.


Ainda em casa, antes do gerador da ilha ser desligado, dava os últimos retoques na pintura dos olhos que decorria sem sobressaltos. Tinha tomado banho com Badebas (mandado vir de Lisboa) e um agradável aroma envolvia o quarto, como se fosse nuvem que me cingia com sensualidade. Nada podia ser deixado ao acaso. A noite pedia requinte para que a reunião invulgar naquelas paragens onde o perigo se misturava com uma beleza desmedida. Havia um jantar melhorado (sem arroz de tomate e peixe frito, prometia o convite verbal feito pelo simpatiquérrimo sr. Patrício) com música ambiente e participações de elementos militares destacados na zona que tocavam violino, guitarra e acordeão. Pedir mais era querer agarrar a Lua.


Sobre o vestido de cetim vermelho, que ondulava na cadência dos meus passos ritmados, coloquei uma capa de veludo negro. Sentia-me divina. O fascínio estava comigo quando saí a porta de armas do quartel e percorri o curto espaço que me separava do Hotel. Ao longe, vi que todo ele estava iluminado por uma espécie de archotes e muitas velas que tremelicavam sob um tecto fabuloso de estrelas brilhantes. A varanda era um desafio ao Infinito, tão bela que estava nas suas variadíssimas flores matizadas, entrelaçadas e luzes colocadas em recantos que lhe projectavam sombras e promessas. Era um palácio que flutuava.


Respirava profundamente embevecida com a noite de Fim de Ano na Guiné que me oferecia espaços de deslumbramento que desconhecia. Tudo era de uma simplicidade tocante mas uma magistral obra de alquimista. Entrei e vi que os presentes apesar de não serem muitos enchiam a sala. A única vestida de vermelho era eu. Não havia trajes de gala, alguns camuflados faziam presença. Os olhares eram espelhos,varandas, que se abriam para mundos íntimos e distantes.


O alferes Verde, chegado da ilha das Galinhas, queria sentir o entusiasmo da noite mas destacado há tantos meses na solidão, havia nele um desassossego evidente. O alferes Valentim, do quartel de Bolama, por certo sentia mais do que nunca a nostalgia da filha recém-nascida que ainda não conhecia. O capitão Ferreira, qual Peter O'Toole, absolutamente cacimbado, não conseguia aguentar a tensão da guerra que o rodeava. Inadaptado e apaixonado pela pessoa errada vivia num inferno de sentimentos (acabaria por ser evacuado para Bissau e, mais tarde, Lisboa. Tentou o suicídio).


O comandante de S. João estava sereno ao lado da lindíssima mulher que deixava os presentes e todos os militares da zona com a cabeça à razão de juros. Ela era uma provocação mas estava firme, e por certo feliz, ao lado do marido, na ilha de S. João, indiferente aos falatórios. Oficiais de Bolama marcavam presença no jantar, que incluiu ostras, lagosta, frango, doces, vinho e, claro, champanhe. Quando a meia-noite se aproximava, todos foram para o meio do salão, deram as mãos numa roda ao sabor da melodia que se escutava e, unidos, partiram para os espaços das suas saudades, ficando, ali, numa ilha distante que desafiava medos e coragem.


Houve baile. Dançou-se pela noite fora, conviveu-se; mesclou-se a habitual tensão por uma alegria que ser sem fictícia não era totalmente real mas tinha algo de libertadora. Confraternizou-se. Trocaram-se presentes que sabiam a vida. Todo o Hotel vibrava com as emoções da noite numa zona de guerra (nos arredores. O centro era calmo). Cantou-se o fado, declamou-se. O Comandante de Bolama discursou. Ouviram-se gargalhadas e palmas. Uniram-se mãos e juntaram-se corpos e a vida envolveu-nos numa noite musical de corações palpitantes. Entramos em 1964 com a alma lavada imbuída de emoções, desejos e esperanças. Nunca como naquela noite o Hotel do sr. Patrício foi tão empolgante, tão majestoso, e tão bonito.


Em 2009, deixo uma rosa vermelha na primeira ruína deste hotel que tocar nos meus pés. Hoje, agora, ele existe só para mim...

*

Só conheço uma liberdade, e essa é a liberdade do pensamento
(Saint-Exupéry)

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segunda-feira, 13 de julho de 2009

A VARANDA QUE SUSSURRA MAGIA...



Esta foto não é igual às outras, às muitas que povoam as minhas lembranças, os meus álbuns ou os meus arquivos informáticos. Esta foto (banalíssima) tem voz! Olho-a diariamente, pausadamente e escuto-a em fascínio puro, autêntico e, aí, puxada pela máquina do tempo, elevo-me do agora e do aqui e estou lá, retirada do cenário envolvente e, suspensa num dos prováveis quatro mundos paralelos, sou ave, sou brisa, sou luz, sou eu, igual a mim própria. Não há limite nem abismos para o meu espaço. Para o meu voo. Não há nem bloqueios nem sequer angústias, apenas a minha essência resplandece com a intensidade do Sol ou a leveza dos anjos. Como sou imensa na minha fragilidade! Os humanos são assim: vertiginosamente poderosos envoltos em medos e dúvidas, desafiando a imaginação, desafiando limites quando ascendem a dimensões alucinantes e libertadoras.


Esta minha preciosidade fotográfica fixa (não sei o autor) o Hotel de Bolama (Guiné), o hotel do sr. Patricío -simpático, profissional, bonacheirão e amigo- onde eu jantava diariamente e foi num dos seus quartos que dormi pela última vez quando pisei a terra da divina e encantatória Bolama de brisas como cestos abertos de frutas tropicais. Vou imaginar o último jantar, a última noite, o olhar para a bagagem de partida que me deixaria na manhã seguinte no aeroporto de Bolama, daí para Bissau e, finalmente, Lisboa.


Hoje não é noite para Mozart, não chega. Opto por Chopin, a sua magia entende melhor a minha saudade amarrado a um tempo que não quero perder. Hoje, é noite para me sentar numa das mesas verdes (de ferro) da esplanada do Hotel do sr. Patrício e fixar aquela varanda majestosa que tem o poder de acalmar a tempestade de uma saudade que, frequentemente, me agita, me provoca, me deixa em perigo ou me sussurra magia...


http://www.youtube.com/watch?v=tvm2ZsRv3C8



A única obrigação em qualquer período da vida consiste em seres fiel a ti mesmo
Richard Bach

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segunda-feira, 6 de julho de 2009

O PASSEIO DE CR9 - O HERÓI SONHADOR


Para lá do óbvio futebol cheio de completo, virtuoso, electrizante e genial; para lá do sucesso mais mediático planetário e, desde hoje, galáctico a que alguma vez se assistiu; para lá de ser em milhões, tantos como se de um banco ele próprio se tratasse; para lá de fazer ondular à sua volta mares de uma inabalável intensa e universal como poucas foram e são; para lá de, além de tudo o mais, ainda estar em ascensão com um entusiasmo, criatividade e energia de miúdo com poderes de super-herói, encerrando ainda muito potencial para surpreender, para inovar, para, simplesmente, vencer; para lá deste tanto e muito mais o que é, afinal, na essência, Cristinano Ronaldo ?


Acho que é muito. Este é o termo redondo! Muito bem talhado fisicamente para o desporto que o motivou muito desde muito pequeno, ao ponto de atingir muito cedo o muito de tudo que já conhecemos e ainda com muito para dar, provavelmente outro tanto ou ainda mais, sendo verdadeiramente espectacular a intensidade contínua que coloca na sua existência diária dedicada ao que mais gosta de fazer, tendo criado dentro de si, numa magia em câmara lenta a que todos fomos assistindo, em directo ou ao vivo, ao longo dos últimos anos. Um fenómeno de facto absoluto, nos limites do desempenho humano, físico e psíquico. Nos limites da sorte e para lá dos limites do que ainda há poucos anos eram só prováveis, tendo em conta o conseguido por todos os anteriores astros absolutos do mesmo desporto (Maradona -a mão de Deus-, Di Stéfano, talvez os maiores) que atingiram, por vezes, plenitude similar mas chegaram a Pelé, Eusébio ou Zidane mais tarde, em campeonatos ou em idade, ou após mais taças, ou após mais maturidade como esse Figo de todos os prestígios, dignidades e todo o futebol de equipa que este Ronaldo de tantos muitos ainda haverá de jogar também este muito que ainda lhe falta ... um pouco.


Com tempo jogará também esse tanto e tempo ele tem mais do que tiveram os outros (tem 24 anos). O ter chegado hoje à noite (6 de Julho) ao meio de um relvado emoldurado por uma final, em directo, para o mundo inteiro, com 85 mil adeptos do
clube dos seus sonhos de menino, antes sequer de ter tocado numa bola madrilena, vai acabar com a sua fase de menino prodígio e, se ele for capaz, passar para a fase da graça plena de astro completo e maturo, capaz de sobreviver de forma prolongada ao perigoso e redutor mundo dos flashes que podem transformar qualquer um num simples mega figurante planetário, como reduziu muitos outros anteriores candidatos galácticos.


Ele tem ainda um outro muito que o pode ajudar nesta fase crítica em que o muito que gosta de gozar a vida em todas as suas vertentes, conhecidas ou por revelar, o pode afectar e esse outro muito -verdadeiramente importante-, é o muito que gosta da família e o muito fiel que é ao seu núcleo forte e coeso de poucos que o rodeiam, à distância de um abraço, provando ele que mesmo sendo o astro da maior dimensão que já sabe que é, sabe, também, que não deve crescer além de um abraço com que os seus o confortem numa próxima - que nunca venha - derrota ou uma próxima lesão ou uma próxima inoportunidade mediática.


E se o dia vier em que a taça maior for, pela sua mão, elevada no Bernabéu, cumprirá então o mito que o alimentou desde sempre e, aí, nós que já nada mais lhe merecemos pedir porque já tanto nos terá dado o menino Cristiano que bem haja ...
... ainda lhe vamos pedir muito por Portugal! Hoje, ele foi, em Madrid, uma das caravelas portuguesas do século XVI, abrindo os braços ao mundo nas estradas dos mares imensos.



http://www.youtube.com/watch?v=3HoF3tjCkPE
*

Mesmo que não escrevas livros, és o escritor da tua vida. Mesmo que não sejas Van Gogh, podes fazer da tua vida uma obra de arte!
(Autor desconhecido)


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sábado, 4 de julho de 2009

JÁ PRESIDENTE, OBAMA LEMBRA ELEITORES!


A Declaração da Independência dos Estados Unidos da América foi o documento no qual as treze Colónias na América do Norte declararam a sua independência do Reino Unido. Foi ratificada no Congresso em 4 de Julho de 1776, considerado o Dia da Independência dos Estados Unidos. Nas palavras do fundador John Adams, o feriado seria o grande festival de aniversário. Deveria ser comemorado como o Dia da Libertação. Solenizado com pompa e gala, com espectáculos, jogos, prática de desportos, salvas de tiros, badaladas de sinos, fogueiras e iluminações, de uma ponta a outra do continente, de agora para todo o sempre.

Hoje, 4 de Julho de 2009, milhões de americanos receberam nos seus computadores uma mensagem pessoal do Presidente Obama (a minha tradução pode pecar por imprecisões) assinalando a data sagrada do Dia da Independência... Este fim-de-semana, a minha família vai juntar-se a milhares de outras na América, celebrando esta data. Vamos desfrutar o brilho dos fogos de artifício, o sabor do churrasco, e da companhia de bons amigos. Juntos, vamos lembrar também a notável história que conduziu a este dia. Duzentos e trinta e três anos atrás, a nossa Nação nasceu quando um corajoso grupo de patriotas prometeu as suas vidas, fortunas, e sagrada honra com o firme propósito de que seríamos criados com igualdade. O nosso País começou com uma experiência única de liberdade - uma ousada procura evolutiva para assim alcançar uma união perfeita.


E, em cada geração, um outro grupo de patriotas corajosos levou-nos um passo mais perto de realizar o pleno sonho dos nossos antepassados, consagrado naquele maravilhoso dia. Hoje, todos os americanos têm direito a uma liberdade que permite a cada -não importam as preferências - ajudar a definir o curso da nossa Nação. Uma América melhor dependeu sempre dos seus cidadãos que abraçando essa liberdade, cumpriram o dever que com ela vem. Como pessoas livres temos de assumir e enfrentar os desafios e as oportunidades que esta Nação enfrenta, como nossas.


Enquanto alguns americanos ainda lutam por uma vida melhor, nenhum de nós se pode sentir completamente satisfeitos mas a América, unida, luta para atingir a perfeita união que os nossos Fundadores, um dia, sonharam e lutaram. Esse triunfo, esse orgulho pertence a todos nós. Um por um. Assim sendo, hoje é o dia para reflectir na nossa Independência e no sacrifício das nossas tropas que, longe de casa, lutam e protegem. É o dia para comemorar tudo o que a América é. Hoje, mais do que nunca, é o momento para podermos aspirar a tudo o que poderemos vir a ser.

Com muito melhores desejos,
Presidente Barack Obama
4. De Julho de 2009


P.S. - O aniversário da nossa Nação é o momento ideal para pensar e concretizar a sua ajuda à sua comunidade local. Pode encontrar muitas ideias para oportunidades de serviço perto de você (...)

*

Os problemas do mundo não podem ser resolvidos por cépticos ou cínicos cujos horizontes são limitados por realidades óbvias. Precisamos de homens e mulheres que consigam sonhar com coisas que nunca existiram
(John F. Kennedy)

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quinta-feira, 2 de julho de 2009

O CONTRATO COM A TERRA CORRE RISCOS


Gostaria de informar que o contrato de aluguer que acordamos há biliões de anos atrás, está prestes a terminar. Precisamos de renová-lo porém, tenho de acertar consigo alguns pontos fundamentais:

*Precisa de pagar a conta de energia. Está muito alta! Como consegue gastar tanto? Antes eu fornecia água em abundância. Hoje, não disponho mais dessa quantidade. Precisamos renegociar o seu consumo.

*Por que é que alguns na sua casa comem o suficiente e outros há que estão a morrer à fome, se o seu quintal é tão grande? Se cuidar bem da terra vai ter alimento para todos! Mas, cortou as árvores que dão sombra, ar e equilíbrio!

*O Sol está muito quente e o calor aumentou? Precisa replantar novamente! Todos os bichos e as plantas do imenso jardim devem ser cuidados e preservados. Procurei por alguns animais, e não os encontrei. Sei que quando lhe aluguei a casa eles existiam!

*Precisa verificar que cores estranhas estão, agora, por vezes, no céu? Não vê o azul! Pois é...E o cinza?

*Tanto lixo!!! Que falta de limpeza! Encontrei objectos estranhos pelo caminho. Pneus, plásticos, poluição a ameaçar Oceanos. Não vi os peixes que moravam nos rios e lagos. Pescaram-nos todos? Onde estão?

Bom, é hora de conversarmos. A sério. Preciso saber se ainda quer morar aqui. Caso afirmativo, o que pode fazer para cumprir o contrato? Gostaria de tê-lo sempre como meu inquilino, mas tudo tem um limite. Sinceramente, acha que pode mudar? Aguardo respostas e atitudes. Com urgência.
Sua casa, o Planeta Terra


http://www.youtube.com/watch?v=8jP8CC2rKj4


*


Trata bem a Terra. Ela não te foi doada pelos teus pais. Foi-te emprestada pelos teus filhos
(Provérbio antigo do Quénia)


. Recebi este texto por e-mail mas não sei quem é o autor

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